quarta-feira, 16 de julho de 2014

Livro está previsto para agosto
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Leia primeiro capitulo do livro


Morte prematura

Hartley Coleridge

Ela feneceu como o orvalho matutino

Antes mesmo de o sol se elevar;

Tão breve seu tempo, o fim tão repentino

Mal soube o que era suspirar.

Como a rosa exala seu perfume suave,

O doce amor flutuava a seu redor;

Ela cresceu admirada – mas o destino tão grave

Se esgueirava, invisível, sem temor.

O amor era aqui seu Anjo da guarda,

Mas o Amor à Morte a entregou;

Se o Amor era bom, por que a salvaguarda

Da Morte sagrada nos amedrontou?

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próNlogo

Perdida

A maioria das menininhas aguardava ansiosamente o momento

em que o pai chegava em casa. Mas não Yesubai. Assim que as

badaladas do sino anunciavam a chegada dele, o medo tomava seu

coração, apertando-o com força, e a jovem parava de respirar.

Ninguém que observasse a pequena criança percebia o terror

mortal que ela realmente sentia. Via-se apenas uma princesa diminuta,

adornada com as mais finas sedas. Seus olhos grandes e

de uma cor incomum de lavanda, emoldurados por cílios grossos

e escuros sobre o rosto em formato de coração, eram capazes de

derreter até o mais duro coração. Por fora, ela era calma e pacífica

como um lago na montanha. Não havia nela nada de astúcia ou de

mistério – ao menos não em sua aparência externa. A fisionomia

de Yesubai em nada refletia a do pai.

Apesar disso, ninguém que trabalhava próximo à família arriscaria

sequer um sussurro sobre a possibilidade de alguma infidelidade

por parte da falecida mulher de seu amo. Ninguém seria

tão burro. Contudo, todos pensavam isso. Todos se perguntavam

como uma joia tão rara teria nascido de uma fonte tão impura. E

quem mais refletia sobre isso era a amada babá de Yesubai, Isha.

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A serviçal Isha fora chamada quase que imediatamente após a

morte da mulher do amo, Yuvakshi. Na verdade, Isha tinha sido

amiga da parteira que ajudara a dar à luz o bebê de Yuvakshi. Porém,

logo após o nascimento de sua jovem protegida, a lamentável

morte da senhora foi anunciada. A isso se seguiu o misterioso desaparecimento

da parteira. Isha, que era ama-seca, foi contratada,

e ela e a criança foram banidas, sendo mandadas para o extremo

mais distante da suntuosa mansão no pequeno reino de Bhreenam.

Bhreenam já tinha sido um lugar pacífico. O rei era velho, mas

um bom homem, com pouquíssimas ambições políticas. A maior

parte da população era composta de pastores e agricultores, e as

forças militares tinham o tamanho necessário apenas para oferecer

segurança contra baderneiros ou bêbados ocasionais. Aquele era

um bom lugar para se morar... antigamente.

Agora, um novo comandante havia assumido o poder. O mesmo

homem que contratara Isha. Um homem sombrio. Perigoso. Por

fora, claro, era todo sorrisos e demonstrava deferência ao rei, mas

Isha precisava se esforçar muito para não fazer um apelo aos deuses,

pedindo proteção contra o mal, cada vez que ele se aproximava.

Seu patrão a apavorava. Mais do que qualquer outra pessoa

que ela já conhecera.

A suspeita de Isha de que o pai da criança fizera algo terrível à

esposa aumentava ainda mais quando ele visitava o quarto da bebê.

Ela muitas vezes o surpreendia lá, encarando a filha com um nítido

desprezo estampado no rosto. Covardemente, ela esperava junto à

porta, parcialmente escondida, esfregando as mãos enquanto murmurava

súplicas silenciosas para que a menininha a quem passara

a amar não fizesse nada que pudesse irritar o pai.

Quando ele se retirava, ela suspirava de alívio e agradecia aos

deuses por terem feito com que sua protegida não despertasse. Porém,

após cada uma dessas visitas, ela descobria que a menininha

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na verdade estava acordada, os olhos líquidos ainda encarando o

ponto onde havia pouco estivera o rosto do pai. Os braços e as pernas

da bebê permaneciam imóveis e o cobertor continuava firme,

enrolado nela.

Com o passar do tempo, apesar das visitas frequentes do pai

da menina, Isha passou a desejar que Yesubai demonstrasse mais

emoções. Com efeito, muitas vezes se perguntava se estaria fazendo

algo errado. Ela não era uma criança malvada. Nada disso. Yesubai

apenas tinha um temperamento sério.

Ela não brincava como as outras crianças. Em vez de sonhar

acordada ou fazer de conta com seus brinquedos, apenas os posicionava

em um lugar onde, segundo ela, ficavam mais bonitos de

se ver. Os sorrisos eram raros. Com sua beleza inegável, a maioria

das pessoas a enxergava somente como uma bonequinha. Apenas

Isha era capaz de captar os sentimentos profundos que corriam sob

a superfície.

As visitas do pai de Yesubai se tornaram menos assíduas à medida

que a menina foi crescendo, ou seja, na maior parte do tempo

ele deixava a filha em paz – exceto quando a levava a festas e eventos

políticos. Nessas ocasiões, a beleza rara da menina parecia

agradá-lo, especialmente quando o rei tecia comentários sobre ela.

Yesubai seguia o pai de ministro em ministro, até mesmo segurando

sua mão quando ele exigia, e não abria a boca a menos que

alguém falasse diretamente com ela. Nesses casos, era educada e

perfeita como uma princesa, e sua natureza tranquila encantava a

todos os que a conheciam.

Embora a usasse em proveito próprio, o pai de Yesubai não lhe

dirigia uma palavra amável e entregava a menina aos cuidados de

outra pessoa assim que era possível. Só quando estava em segurança

nos braços de Isha é que a jovem relaxava os ombros e seus

lindos olhos se fechavam. Então a babá acomodava aquela pequena

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criatura etérea na cama e refletia, sempre, se ela não seria uma mulher

adulta, mais sábia do que permitia a sua idade, presa naquele

corpo de criança.

Quando Yesubai tinha 8 anos, seu pai partiu numa viagem pela

qual demonstrara estar curiosamente entusiasmado. O brilho em

seus olhos era assustador, e Isha torceu em segredo para que a razão

de sua partida, qualquer que fosse, o mantivesse afastado por

tempo indefinido. Porém, como sempre, ele voltou e ela aguardou,

com temor paralisante, o que viria a seguir. Se a viagem do amo

tivesse sido bem-sucedida, ele mandaria os serviçais distribuírem

caixas de flores recém-colhidas; caso contrário, iria atrás de Yesubai.

Isha não precisou esperar muito tempo.

Quando irrompeu no quarto, afoita, viu a menina que passara

a amar em pé, imóvel, olhando fixamente para a porta. Tomou-a

pela mão e apertou com força. Os olhos cor de lavanda piscaram

uma vez, duas, e então se voltaram para a velha serviçal. O mais

tênue movimento de canto de boca indicava que Yesubai estava

grata por sua presença.

Enquanto a menina cobria cuidadosamente os cabelos que iam

até a cintura com um lenço roxo, Isha andou pelo quarto, já impecável,

e alinhou um livro sobre a mesa, secou a condensação da

jarra de água, esticou um cobertor e afofou algumas almofadas.

Ouviu-se um ruído de botas pesadas se aproximando pelo corredor

e rapidamente Yesubai prendeu o lenço, passando-o sobre o

rosto de modo que só seus lindos olhos pudessem ser vistos. Isha

se posicionou na lateral do quarto e ficou na penumbra, tomando

coragem para defender a menina, mas torcendo para que isso não

fosse necessário. Por mais que quisesse ser uma mulher forte, do

tipo que não se curvava diante do mal, sempre sentia um alívio

culpado quando a menininha que sabia demais era capaz de lidar

com o pai sem a ajuda de ninguém.

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Um dia, pensou, um dia ficarei ao lado dela, sem medo.

Porém Isha não se manteve destemida ao lado de Yesubai – pelo

menos não imediatamente. Quando o pai da menina entrou no

quarto, com o poder crepitando nas pontas dos dedos, tanto a jovem

quanto a idosa souberam que a visita daquele dia não traria

flores, mas espinhos. Yesubai fez uma mesura para o pai e baixou o

olhar humildemente, como ele esperava, mas então ele atacou, primeiro

com o poder antinatural que trazia armazenado nos braços

e depois com os punhos.

Sedas preciosas foram consumidas por labaredas. Pedaços de

pedra voaram, chocando-se contra a parede oposta. Delicadas bonecas,

com rostos de cera minuciosamente esculpidos, derreteram

completamente. Quando a destruição física se mostrou incapaz de

acalmá-lo, ele dirigiu a ira contra a filha.

Bravamente, ela se manteve de pé diante dele, calma e com a

cabeça baixa, enquanto o pai esbravejava sobre tudo o que queria

mas estava fora de seu alcance: o desejo por uma mulher que o

rejeitara, o fato de Yesubai ser frágil e indefesa e de que seu nascimento

lhe negara o filho homem que ele tanto queria a seu lado.

Com a fúria de um touro, ele levou o braço atrás e acertou Yesubai

no rosto com tanta força que levantou seu corpo franzino

do chão. O vento arremessou o véu para o lado e sacudiu seus

cabelos. Com um ruído de revirar o estômago, Yesubai se chocou

contra a parede e deslizou lentamente até não ser mais que um

amontoado no chão. A menina ficou imóvel, com o corpo machucado,

parecendo uma boneca que fora atirada sobre rochas

pontiagudas.

Com um grito, Isha correu, se colocando no caminho do monstro,

recebendo em troca uma perna quebrada, a traqueia comprimida,

dois olhos roxos e hematomas profundos por todo o corpo.

Sua protegida estava morta e Isha sabia que logo se juntaria a ela.

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No silêncio após a partida dele, Isha recobrou os sentidos. A dor

percorria seu corpo e latejava por trás de suas pálpebras, porém ela

sentiu um leve toque no braço. Yesubai. A menina estava viva.

Ela tocou a amada babá com dedos macios e vacilantes, e um

formigamento morno aliviou a dor que percorria os braços e as

pernas de Isha. Passaram-se horas e, à medida que se recuperava,

Isha refletia sobre o que deduzira dos acessos de raiva de seu amo.

Tudo indicava que sua tentativa recente de se infiltrar em um reino

vizinho havia fracassado, o que provocara sua fúria. Ele exclamara

que os amuletos seriam dele de qualquer maneira e que, se fosse

necessário, lutaria contra mil soldados para pôr as mãos nos jovens

príncipes.

Enquanto batia na filha, dissera que ela era tão imprestável e

submissa quanto a mãe, que um homem poderoso como ele precisava

de uma mulher forte e decidida a seu lado e que deveria ter

matado Yuvakshi antes de ela lhe dar uma filha fraca, uma fonte

permanente de problemas para ele.

Isha continuou deitada em silêncio, o inchaço do rosto e do

corpo diminuindo graças ao toque curativo de Yesubai. Ainda

assim, a menina, com o lindo rosto marcado por cortes causados

pelos anéis do pai, chorou e se desculpou por não poder fazer

muito para ajudá-la com a perna. Não importava. Isha se recuperaria.

No dia seguinte, a dificuldade de caminhar serviu para lembrá-

-la de sempre lutar contra o mal. Isha até sentia certo orgulho por

saber que, no fim das contas, tivera a coragem de defender sua

protegida. Mesmo assim, por mais heroica que tivesse sido, ainda

tinha um medo terrível do futuro. O que seu amo faria quando

descobrisse que as duas não haviam morrido?

Naquele dia repleto de dor e tristeza, Isha compreendeu duas

coisas muito importantes.

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Primeiro: existia um poder mágico, que era usado de forma malévola

pelo pai, mas que de algum modo havia sido transmitido à

filha. Segundo: o pai de Yesubai realmente tinha matado a esposa

e não hesitaria em perpetrar outros assassinatos. Ela já suspeitava

que ele tivesse cometido um mal terrível no passado, mas agora

sabia que era capaz de algo ainda pior. Muito pior.

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1N

Véu

Eu estava sentada diante do espelho enquanto Isha escovava

meus cabelos com movimentos delicados e manipulava as pétalas

das flores amarelas com as quais eu acabara de fazer um arranjo.

Meu pai havia retornado de uma campanha bem-sucedida, que lhe

abrira novas oportunidades financeiras. Não que o povo ou o rei

fossem ver uma moeda de ouro, uma ovelha gorda ou mesmo um

rolo de tecido fino que fosse. Não. Os únicos que lucrariam com

as conquistas de meu pai seriam seus aliados próximos – homens

quase tão vis, traiçoeiros e corruptos quanto ele.

É claro que nenhum chegara perto de praticar atos como os

dele. Aliás, se eu comparasse os feitos daqueles sanguessugas

com os crimes cometidos por meu pai, não chegariam nem a

seus pés. Havia muito tempo eu deixara de contar o número de

pessoas que ele tinha assassinado das formas mais violentas. Se

não fosse por Isha, eu mesma teria desaparecido misteriosamente

anos atrás.

Infelizmente, a magia que eu tinha sido capaz de desenvolver só

surtia efeito em mim, com exceção de uma pequena dose de poder

de cura que eu proporcionara a Isha ao longo dos anos – uma

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habilidade que ficara cuidadosamente em segredo. Nós duas sabíamos

o perigo que correríamos se meu pai descobrisse que eu havia

herdado a mais ínfima porção da magia que ele dominava. Assim,

observávamos e esperávamos, mas nunca havia um momento em

que não estivéssemos cercadas, em que ao menos um guarda não

nos vigiasse com total atenção. Todos sabiam o que aconteceria se

descumprissem uma ordem de meu pai. Até que as circunstâncias

mudassem, éramos prisioneiras.

Eu era sempre cuidadosa, sempre vigilante, ainda mais agora que

ele tinha retornado. Era o meu 16o aniversário, e o rei, um homem

tão bondoso quanto meu pai era desprezível, solicitara minha presença

em uma celebração. Ele daria uma grande festa e, embora eu

estivesse grata por sua consideração em me convidar, meu estômago

se contorcia de nervosismo.

Quando os festejos foram anunciados, estremeci por saber

que a atividade exigiria que eu estivesse acompanhada de meu

pai, algo que eu detestava e – ainda pior – que era inerentemente

perigoso. Mesmo assim, passar o dia do meu aniversário comparecendo

a uma festa suntuosa no palácio era algo tão raro e especial

que me deixei levar pelo entusiasmo. Principalmente porque

eu achava que poderia ter a oportunidade de visitar o famoso

jardim do rei.

Isha anunciou que o penteado estava pronto. Ela o havia arrumado

de modo que a maior parte pendesse pelas minhas costas,

mas tinha prendido várias mechas no topo da cabeça, com pequenas

joias entremeadas. Trajando as sedas suntuosas porém visivelmente

modestas que meu pai me permitia usar, eu me apresentei

para a inspeção de Isha.

Ela estalou a língua.

– Você sempre foi uma linda criança, minha pequena Yesubai,

mas está se tornando uma jovem deslumbrante.

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