domingo, 28 de abril de 2013

Com 98% das reservas, Brasil não tem política específica para o mineral. Exportações cresceram 110% em 10 anos e somaram US$ 1,8 bi em 2012.

'Monopólio' brasileiro do nióbio gera cobiça mundial, controvérsia e mitos.
Arte Nióbio - anglo american (Foto: Editoria de Arte/G1)
Um metal raro no mundo, mas abundante no Brasil, considerado fundamental para a indústria de alta tecnologia e cuja demanda tem aumentado nos últimos anos, tem sido objeto de controvérsia e de uma série de suspeitas e informações desencontradas que se multiplicam na internet – alimentando teorias conspiratórias e mitos sobre a dimensão da sua importância para a economia mundial e do seu potencial para elevar o Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Trata-se do nióbio, elemento químico usado como liga na produção de aços especiais e um dos metais mais resistentes à corrosão e a temperaturas extremas. Quando adicionado na proporção de gramas por tonelada de aço, confere maior tenacidade e leveza. O nióbio é atualmente empregado em automóveis, turbinas de avião, gasodutos, em tomógrafos de ressonância magnética, na indústria aeroespacial, bélica e nuclear, além de outras inúmeras aplicações como lentes óticas, lâmpadas de alta intensidade, bens eletrônicos e até piercings.

Abaixo, o G1 explica a polêmica sobre o mineral, em reportagem produzida por sugestão de leitores (se você também quer sugerir uma reportagem, entre em contato pela página 
http://falecomog1.com.br/.)
O mineral existe no solo de diversos países, mas 98% das reservas conhecidas no mundo estão no Brasil. O país responde atualmente por mais de 90% do volume do metal comercializado no planeta, seguido pelo Canadá e Austrália. No país, as reservas são da ordem de 842.460.000 toneladas e as maiores jazidas se encontram nos estados de Minas Gerais (75% do total), Amazonas (21%) e em Goiás (3%).
Segundo relatório do Plano Nacional de Mineração 2030, o Brasil explora atualmente 55 substâncias minerais, respondendo por mais de 4% da produção global, e é líder mundial apenas na produção do nióbio. No caso do ferro e do manganês, por exemplo, em que o país também ocupa posição de destaque, a participação na produção global não ultrapassa os 20%.
Tal vantagem competitiva em relação ao nióbio desperta cobiça e preocupação por parte das grandes siderúrgicas e maiores potências econômicas, que costumam incluir o nióbio nas listas de metais com oferta crítica ou ameaçada. É isso também que alimenta teorias de que o Brasil vende seu nióbio “a preço de banana”; que as reservas nacionais estão sendo “dilapidadas”; e que o país está “perdendo bilhões” ao não controlar o preço do produto.
A chamada “questão do nióbio” não é um assunto novo. Um dos seus porta-vozes mais ilustres foi o deputado federal Enéas Carneiro, morto em 2007, que alardeava que só a riqueza do mineral seria o suficiente para lastrear toda a riqueza do país. O nióbio já chegou a ser relacionado até com o mensalão, após o empresário Marcos Valério afirmar na CPI dos Correios, em 2005, que o Banco Rural conversou com José Dirceu sobre a exploração de uma mina de nióbio na Amazônia.

Em 2010, um documento secreto do Departamento de Estado americano, vazado pelo site WikiLeaks, incluiu as minas brasileiras de nióbio na lista de locais cujos recursos e infraestrutura são considerados estratégicos e imprescindíveis aos EUA . Mais recentemente, o nióbio voltou a ganhar os holofotes em razão da venda bilionária de uma fatia da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora mundial de nióbio, para companhias asiáticas. Em 2011, um grupo de empresas chinesas, japonesas e sul coreana fechou a compra de 30% do capital da mineradora com sede em Araxá (MG) por US$ 4 bilhões.
Independente do debate muitas vezes ideológico por trás da questão e dos mitos que cercam o mineral (veja quadro abaixo), o fato é que o quase ‘monopólio’ da oferta ainda não resultou numa política específica para o nióbio no Brasil ou programa voltado para o desenvolvimento de uma cadeia industrial que vise agregar valor a este insumo que praticamente só o país oferece.

Nióbio - mitos e fatos (Foto: Editoria de Arte / G1)

mitos nióbio 1 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: Trata-se de um mineral nobre e encontrado em poucos países, mas o preço está muito distante do valor do ouro. Segundo estatísticas oficiais, a liga ferro-nióbio foi comercializada em 2012 pelo preço médio de US$ 26.500 a tonelada. Já cotação média da onça do ouro (31,10 gramas) foi de US$ 1.718.
mitos nióbio 2 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: O Brasil é o maior produtor mundial, respondendo por mais de 90% da oferta, seguido pelo Canadá e Austrália. O país detém mais de 98% das reservas conhecidas de nióbio no mundo, mas o mineral também é encontrado em países como Egito, Congo, Groelândia, Rússia, Finlândia e Estados Unidos.
mitos nióbio 3 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: Sua utilização garante alta performance em setores relacionados à siderurgia, sobretudo na produção de aços de alta resistência. Hoje, o nióbio já pode ser considerado um insumo essencial para indústria aeroespacial, de óleo e gás, naval e automotiva. Mas não se trata de uma fonte de energia primária ou de alto nível de consumo como o petróleo.
mitos nióbio 4 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: O metal possui uma série de vantagens competitivas na produção de aços mais leves e ligas especiais. Quando adicionado na proporção de gramas por tonelada, confere maior resistência ao aço. Hoje é empregado em automóveis, turbinas de avião, gasodutos, tomógrafos entre outras aplicações. O nióbio possui, entretanto, concorrentes equivalentes como o vanádio, o tântalo e o titânio.
mitos nióbio 5 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: O quase monopólio brasileiro da produção desperta a cobiça e a preocupação de outros países, pois ninguém gosta de depender de um único fornecedor. Documento do Departamento de Estado americano, vazado em 2010 pelo WikiLeaks, inclui as minas brasileiras na lista de locais considerados estratégicos para a sobrevivência dos EUA. Em 2011, um grupo de companhias chinesas, japonesas e sul coreanas adquiriram por US$ 4 bilhões 30% do capital da brasileira CBMM.
mitos nióbio 6 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: O preço médio de exportação de ferro-nióbio subiu de US$ 13 o quilo em 2001 para US$ 32 em 2008. Em 2012, a média ficou em US$ 26,5 o quilo. Como os preços não são negociados em bolsas e como as produtoras possuem subsidiárias em outros países, existem suspeitas não comprovadas de subfaturamento. Segundo as empresas e especialistas, uma grande alta no preço poderia incentivar a substituição do nióbio por produtos concorrentes e até uma corrida pela abertura de novas minas.
mitos nióbio 7 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: Somente a CBMM, em Araxá, explora jazidas com durabilidade estimada em mais de 200 anos, considerando a demanda atual. As reservas conhecidas no país são da ordem de 842.460.000 toneladas e, segundo o governo, não existe previsão de início de produção em outras áreas do país com reservas lavráveis conhecidas como Amazonas e Rondônia.
mitos nióbio 8 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: apesar do nióbio ser encontrado em regiões de fronteira, onde ocorrem pequenos garimpos, em razão das difíceis condições de produção e transporte para os países consumidores o governo considera infundadas as suspeitas de contrabando.
mitos nióbio 9 (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: O fato de possuir mais de 98% das reservas conhecidas deve garantir ao Brasil por muitos anos praticamente o monopólio da oferta, mas, apesar do crescimento da intensidade de uso do nióbio e das inúmeras possibilidades de aplicações, a relevância e valorização do mineral ainda não se compara ao ouro ou ao petróleo.
mitos nióbio (Foto: Editoria de Arte/G1)

FATO: O governo não prevê qualquer abordagem específica para o nióbio dentro das discussões sobre o novo marco regulatório da mineração. A oferta de nióbio está praticamente toda nas mãos das duas gigantes privadas que operam no país, sem a articulação de uma política de desenvolvimento de um parque industrial nacional consumidor de nióbio. Por outro lado, as exportações de ferro-nióbio contribuem para o superávit da balança e o metal é hoje o 3º item mais importante da pauta mineral de exportação.

Governo nega que riqueza seja negligenciada
Embora seja enquadrado pelo governo federal como um mineral estratégico, o Ministério de Minas e Energia (MME) informa que não há previsão de “uma abordagem específica para o nióbio” dentro das discussões sobre o novo Marco Regulatório da Mineração, que deverá ser encaminhado em breve para o Congresso Nacional.


As empresas que atuam no Brasil afirmam possuir capacidades instaladas para atender ao atual ritmo de crescimento da demanda mundial. A CBMM avalia que suas reservas em Araxá são suficientes para garantir a produção de nióbio por mais de 200 anos.
A Anglo estima em 40 anos o tempo de vida útil de suas jazidas e anunciou neste ano que irá investir US$ 325 milhões até 2016 na ampliação da capacidade de produção da sua planta em Catalão (GO), com o objetivo de elevar a produção anual do patamar de 4.400 toneladas de nióbio para 6.500 toneladas.


Política de preços
É diante desta perspectiva de aumento da demanda mundial e de concentração de mercado que os críticos do atual modelo de exploração do nióbio cobram uma maior atuação do governo federal, defendendo o controle do preço de comercialização do produto e em alguns casos até mesmo a estatização da produção.
“Quem consome nióbio são empresas transnacionais superespecializadas. É de se imaginar, portanto, que exista uma enorme pressão de fora para ter um produto que eles precisam a um preço acessível”, avalia o pesquisador Roberto Galery, professor da faculdade de engenharia de minas da UFMG.
Para Adriano Benayon, economista e autor do livro “Globalização versus Desenvolvimento”, com a produção restrita a dois grupos econômicos no Brasil é “evidente” que o interesse é exportar o nióbio do Brasil “ao menor preço possível”.
Pelos cálculos do pesquisador, autor de vários dos artigos sobre nióbio que circulam na internet, o Brasil poderia ganhar até 50 vezes mais o que recebe atualmente com as exportações de ferro-nióbio, caso ditasse o preço do produto no mercado mundial e aumentasse o consumo interno do mineral.
“A nacionalização impõe-se, porque ao Brasil importa valorizar o produto externamente e investir, com os recursos da exportação valorizada, em empresas para produzir com crescente incorporação de tecnologia e crescente valor agregado bens que elevem a qualidade dos empregos e o quantum da renda nacional”, argumenta Benayon.
'Não há uma diretriz política para estatização, diz ministério
Questionado pelo G1 sobre o tema, o MME afirmou que “não há uma diretriz política para estatização de minas de qualquer bem mineral”.



“Quanto às vendas de reservas, considerado aqui como futuras aquisições, as mesmas são estabelecidas entre empresas privadas, sem a intervenção direta do governo federal”, acrescentou o ministério.
As estatísticas oficiais apontam para uma relativa estabilidade nos preços do nióbio nos últimos anos. O último grande salto ocorreu em 2007, quando o preço médio de exportação da liga ferro-nióbio subiu de US$ 13 para US$ 22 o quilo, chegando a US$ 33 em 2008, devido, principalmente, ao aumento da demanda. Em 2012, o preço médio ficou em cerca de US$ 27 o quilo, segundo dados do MDIC.
Como os preços são negociados diretamente entre o comprador e o vendedor, e não em bolsas, os valores de cada venda acabam sendo confidenciais, o que costuma levantar suspeitas de subfaturamento.
“Para saber o preço efetivo e os ganhos reais das empresas que controlam o mercado, precisar-se-ia confrontar não os preços de importação, mas sim os preços de venda no mercado desses países [compradores], praticados pelas empresas importadoras do mesmo grupo das exportadoras”, diz Benayon.
Segundo as empresas, tais suspeitas não têm fundamento. “Nossa carteira de pedidos vai diretamente para o cliente final. Não vendemos para nenhuma das subsidiárias da Anglo, vendemos para as siderúrgicas que aplicam o nióbio nos seus aços. Não temos nenhuma operação de venda de nióbio fora do Brasil”, afirma Fernandes, da Anglo American. “Apesar de não estar listado em bolsa, o preço do nióbio obedece a clássica lei de oferta e demanda”, emenda.
Margem de lucro alta
Os números e valores da receita da comercialização de nióbio informados nos balanços da Anglo American e da Iamgold – ambas de capital aberto – apontam que o preço médio do quilo de ferro-nióbio chegou a US$ 40 em 2012.

Segundo a Anglo American, a divisão de nióbio respondeu por uma receita de US$ 173 milhões em 2012 e gerou para a companhia um lucro operacional de US$ 81 milhões. Embora a exploração de nióbio tenha gerado uma margem de lucro superior a 40%, o mineral respondeu por apenas uma fração dos ganhos totais da companhia, que possui um amplo portifólio e registrou lucro global de US$ 6,2 bilhões no ano passado.
Já a canadense Iamgold reportou ter obtido em 2012 uma receita de US$ 190,5 milhões com a exploração de nióbio e uma margem de lucro de US$ 15 por quilo de nióbio vendido.
“O nióbio é bem competitivo, está bem posicionado, mas a rentabilidade depende muito do teor de nióbio contido no concentrado que é retirado da mina. O teor do nosso concorrente é muito maior. Já o dos novos projetos que estão sendo estudados no mundo tem teor muito menor”, explica o executivo da Anglo.
Atualmente estão sendo desenvolvidos novos projetos de exploração de nióbio no Canadá, no Quênia e em Nebrasca, nos Estados Unidos, que hoje importa 100% do nióbio que consome.
No Brasil, embora existam reservas conhecidas na região de fronteira e em áreas de reservas indígenas no Amazonas e em Roraima, o governo informa que não existe previsão de produção em novas minas ou novas concessões. “O nióbio de São Gabriel da Cachoeira (AM) carece ainda de tecnologia para permitir a sua extração com viabilidade econômica”, informou o ministério.

Consequências de uma eventual intervenção
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Elmer Prata Salomão, alerta que uma eventual intervenção governamental na oferta ou no preço do nióbio representaria um grande tiro pela culatra.
Segundo Salomão, o fator determinante para o 'monopólio' brasileiro no nióbio é o custo de produção "praticamente imbatível". "Não há nada insubstituível no mundo, o que há é economicidade no processo. Se o preço do nióbio brasileiro for elevado, outras jazidas no mundo todo entrarão em produção. Foi isso o que aconteceu recentemente com as terras raras na China”, diz o especialista.

Anglo anunciou investimentos de US$ 325 milhões para ampliar vida útil de mina em Catalão (Foto: Anglo American/Divulgação) Ele lembra que o gigante asiático anunciou em 2011 uma redução de mais de 10% no volume de exportação de terras raras com o objetivo de atrair mais indústrias de tecnologia como fabricantes de tela de LCD para o país. “A China resolveu contingenciar e elevar o preço de terras raras e o que acontece é que já existem quase 50 projetos na área em fase de pesquisa e desenvolvimento no mundo”, afirma.

O diretor do Ibram também acredita que a elevação do preço do nióbio estimularia a busca por produtos substitutos. “A ambição de ganhar mais acaba sempre facilitando a entrada de concorrentes”, afirma Tunes. Ele explica que o nióbio apresenta hoje melhor vantagem em relação aos outros elementos químicos não apenas por suas propriedades, mas também por ser um metal com oferta abundante.
Nióbio gerou R$ 5,29 milhões em royalties em 2012
Segundo o governo, o controle da produção e venda de nióbio é feito atualmente pelo DNPM. O governo informa, entretanto, que o órgão não possui a competência de fiscalizar a produção e comercialização do ferro-liga de nióbio.
Segundo o DNPM, a exploração de nióbio garantiu em 2012 um recolhimento de CFEM (Compensação Financeira sobre a Exploração Mineral) de R$ 5,29 milhões – valor que foi distribuído entre União e estados e municípios produtores.
Pela legislação atual, a CFEM varia de 0,2% até 3% e incide sobre o valor do faturamento líquido obtido por ocasião da venda do produto mineral. No caso de minerais como o nióbio a alíquota é de 2%. O DNPM explica que como no caso do nióbio não ocorre a venda do mineral bruto, é considerado como valor para efeito do cálculo da CFEM a soma das despesas diretas e indiretas ocorridas antes da transformação da matéria-prima em ferro-nióbio. Ou seja, o valor arrecadado com a CFEM pouco reflete a valorização do ferro-nióbio no mercado mundial.
A revisão das alíquotas dos royalties da mineração está entre os pontos que devem ser abordados pelo novo Código de Mineração, em discussão no governo. Está prevista a criação da Agência Nacional de Mineração, substituindo o DNPM, e Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), de forma a regulamentar os leilões de áreas públicas, nos mesmo moldes utilizados para o petróleo.
Embora não esteja prevista uma abordagem específica para o nióbio no novo marco regulatório, o MME reconhece que a legislação mineral vigente ainda “não possui instrumentos necessários para uma abordagem específica para minerais estratégicos”.
nióbio gráfico (Foto: Editoria de Arte/G1)  “O governo federal avalia que o país já possui a tecnologia necessária para a produção de ferro-nióbio, porém, é necessário que se avalie a capacidade de o parque industrial brasileiro possuir os demais fatores necessários para transferência de tecnologia de produção de manufaturados que contenham nióbio”, acrescentou o ministério.
Para Salomão, da ABPM, o setor mineral tem contribuído para os investimentos no país e para o superávit da balança comercial e não deve utilizado como combustível ideológico para políticas intervencionistas.
“Se o Brasil não está aproveitando hoje suas riquezas minerais como deveria é porque não tem uma política industrial nesse sentido”, afirma. “O que não podemos fazer é guardar toneladas de minério sem saber se no futuro isso será tecnologicamente utilizado ou não. Somos obrigados a aproveitar os nossos recursos minerais justamente devido à revolução tecnológica. A idade da pedra não acabou por causa da pedra, mas porque a pedra foi substituída por outra coisa”, conclui.

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