domingo, 24 de março de 2013

Ainda em meados de 1929, Einstein foi condecorado com a sua segunda Medalha Planck, por suas contribuições para a Física Quântica.

Rumo à teleportação e à nanotecnologia
A hipótese do quantum, introduzida por Max Planck em 1900 e generalizada por Albert Einstein em 1905, era tão revolucionária que uma nova geração de físicos, liberta de preconceitos, seria necessária para desenvolvê-la. Como conciliar as propriedades ondulatórias da luz, demonstradas profusamente no século 19, com o fato de que a radiação é formada por corpúsculos (os "quanta")? O caráter dual da luz (onda e partícula ao mesmo tempo) confundia os cientistas da época e motiva até os dias de hoje experimentos intrigantes e fundamentais. A nova física quântica só foi desenvolvida mais de 20 anos após a formulação da hipótese de Planck. Em 1923, Louis de Broglie (1892-1987) propôs, em sua tese de doutorado, que o comportamento corpuscular da luz deveria ter como contrapartida o comportamento ondulatório de partículas: átomos e elétrons deveriam também comportar-se como ondas. Logo após, desencadeou-se uma atividade frenética, entre 1925 e 1928, que envolveu físicos europeus muito jovens, como Werner Heisenberg (1901-1976), Wolfgang Pauli (1900-1958), Paul Dirac (1902-1984), Pascual Jordan (1902-1980) e Enrico Fermi (1901-1954), e outros mais velhos, com Erwin Schrödinger (1887-1961), Max Born (1882-1970) e Niels Bohr (1885-1962). Em 1928, os fundamentos da nova física quântica estavam lançados. Os conceitos que emergiram desse período glorioso na história da ciência representaram uma verdadeira revolução científica, que forçou os físicos a reformular suas idéias sobre a realidade e tornou possível extraordinários avanços em química, biologia, medicina e eletrônica. Da nova física quântica resultaram o transistor, o laser e diversos outros dispositivos que acabaram por propiciar a emergência da era da computação e da nanotecnologia.

Os dados de Deus
Em julho de 1925, Heisenberg publicou seu primeiro artigo sobre a nova física quântica. A ele se juntaram Born e Jordan, e dessa colaboração, bem como da contribuição de Dirac, resultaram os primeiros trabalhos sobre as bases matemáticas da nova física. Em janeiro de 1926, Schrödinger propôs uma equação matemática para as ondas de De Broglie. Ignorava-se ainda, no entanto, o significado dessas ondas. Como diria o físico Eugene Wigner (1902-1995) muitos anos depois, "as pessoas começaram a fazer cálculos, mas tudo estava muito nebuloso". Em junho de 1926, Born propõe um interpretação probabilística para as ondas governadas pela equação de Schrödinger: elas descrevem a probabilidade de que a partícula correspondente seja encontrada em cada região do espaço. Regiões de maior probabilidade são aquelas em que as ondas têm maior amplitude. Embora a dinâmica da onda possa ser calculada com precisão, não é possível conhecer exatamente onde estará a partícula em instantes posteriores, ainda que ela esteja razoavelmente bem localizada inicialmente. Com o tempo, a partícula se deslocaliza. A onda de De Broglie transforma-se numa entidade matemática, a "função de onda", espécie de catálogo que descreve um corpúsculo não-localizado e que permite calcular os valores possíveis não apenas da posição, mas de qualquer quantidade física associada à partícula (como velocidade). A não-localização pode manifestar-se em relação a qualquer dessas quantidades. A partir da contribuição de Born, a nova física quântica assumiu um aspecto probabilístico que viria a incomodar Schrödinger e Einstein até o fim de suas vidas (criticando a física quântica, Einstein cunhou sua célebre frase "Deus não joga dados"). Em março de 1927, Heisenberg propôs seu "princípio da incerteza": não seria possível determinar precisamente, em um mesmo experimento, a posição e a velocidade de uma partícula. A medida precisa de uma dessas quantidades necessariamente levaria à indeterminação da outra. Virava-se, assim, a página do determinismo clássico, tão bem sintetizado por Laplace (1749-1827): para "uma inteligência que, em qualquer instante dado, conhecesse todas as forças pelas quais o mundo se move e a posição e velocidade de cada uma de suas partes, nada seria incerto, e o futuro, assim como o passado, estaria presente diante de seus olhos". Nos anos seguintes, multiplicaram-se os testes da física quântica (comprovada com altíssimo grau de precisão) e também as surpresas produzidas por ela, que desafiavam a intuição dos físicos. Em 1935, Einstein publicou um artigo, em colaboração com Boris Podolsky (1896-1966) e Nathan Rosen (1909-1995), que continha um brilhante e sutil desafio à nova teoria. Eles procuraram demonstrar não que a física quântica estava errada, mas que era uma teoria incompleta. Mostraram que era possível construir "estados emaranhados" de duas partículas separadas espacialmente, de forma tal que essas partículas compartilhassem propriedades que não pudessem ser atribuídas com certeza a nenhuma das duas isoladamente. A medida de uma dessas propriedades em uma das partículas (como sua posição) determinava a propriedade correspondente da outra (por exemplo, localizava a segunda partícula). Havia, assim, uma aparente violação das limitações impostas pela relatividade, segundo a qual a informação sobre a primeira medida não poderia alcançar a segunda partícula com velocidade superior à da luz. Uma alternativa seria supor que as duas partículas tivessem, em cada experimento, valores bem definidos dessas grandezas, antes mesmo das medidas, mas a física quântica não conseguiria prevê-las, por ser uma teoria incompleta. Experiências posteriores eliminaram essa possibilidade e confirmaram que o estado emaranhado não pode ser reduzido à soma de partes separadas. Demonstrou-se, ainda, que ele não podia ser usado para transmitir informação instantaneamente, sendo compatível com a relatividade. Esse artigo teve no entanto um forte impacto e inspirou vários experimentos.

Teletransporte
Em 1997, foi demonstrada a utilização de estados emaranhados para a teleportação de informação (que permite mapear a função de onda de uma partícula em outra partícula distante). Além disso, algoritmos recentemente descobertos permitiriam a um computador quântico (baseado em estados emaranhados) resolver certos problemas muito mais rapidamente que computadores clássicos.
A efetivação desses dispositivos enfrenta problemas severos, e atualmente apenas protótipos bastante modestos estão sendo estudados em alguns laboratórios. Esses novos esforços demonstram, no entanto, cem anos após a ousada hipótese de Planck, a vitalidade da física quântica e o caráter extremamente singular dessa teoria: ao mesmo tempo em que os seus fundamentos ainda provocam discussões e surpresas na comunidade de físicos, suas aplicações prometem continuar revolucionando nosso cotidiano.
Luiz Davidovich
especial para a Folha

Nenhum comentário: