Conheça os temas por trás d'O Apanhador no campo de centeio, de Salinger
A obra é reconhecida como um clássico que trata da passagem da pela adolescência
Ilustração: Estúdio Área
Salinger foi o grande bardo do mito da adolescência, no que tem de mais belo e sugestivo: a idade do descontentamento universal, dos afetos confusos e furiosamente autênticos, da sensibilidade teimosa e militante. Nas páginas da obra-prima O Apanhador no Campo de Centeio, o mais incompreendido e difamado estágio da vida humana ganhou irrepetíveis linhas de nitidez e pungência. Salinger não só criou o paradigma insuperável da renitência juvenil, mas também encarnou em sua própria biografia a enérgica intransigência que semeou na literatura.
Celebridade pop
Jerome David Salinger nasceu em Nova York, no seio de uma rica família miscigenada. Sempre quis ser escritor e, apesar da paixão pelos livros, era um péssimo aluno. Estudando pouquíssimo e escrevendo muito numa academia militar, ele completou seus primeiros contos escondido sob os lençóis, à luz de uma lanterna a pilha.
Aos 22 anos, experimentou uma desilusão amorosa literalmente cinematográfica. Apaixonou-se por Olla, filha do dramaturgo Eugene O'Neil. Estava prestes a pedi-la em casamento quando Olla se envolveu com o já famoso - e décadas mais velho - Charles Chaplin. Poucos anos depois, Salinger teve outra experiência definidora, lutando como soldado de infantaria na Segunda Guerra Mundial. Participou da invasão da Normandia no Dia D e foi um dos primeiros combatentes aliados a adentrar um campo de concentração.
De volta aos EUA, o desiludido, traumatizado mas ainda ambicioso Salinger tratou de empinar sua carreira literária. Ganhou certo renome publicando contos na New Yorker e, em 1951, alcançou a almejada fama internacional: O Apanhador no Campo de Centeio, seu primeiro romance, vendeu milhões de cópias em alguns meses e transformou-o numa celebridade quase imediata. Salinger ficou rico, viu sua foto reproduzir-se em jornais e vitrines de livrarias, foi endeusado pelos críticos e acalentado pelas academias. Mas o sabor da fama logo se tornou enjoativo, e Salinger se tornaria cada vez mais parecido com seu principal protagonista.
Pureza impossível
A obra de Salinger relata a busca - às vezes ingênua, às vezes ácida, mas sempre cheia de feroz sinceridade - por uma pureza impossível. Narrado em primeira pessoa, O Apanhador no Campo de Centeio conta cerca de 48 horas na vida de Holden Caulfield, um rapaz de 16 anos vindo de família abastada, que acaba de ser expulso de um colégio interno, após ser reprovado em quase todas as matérias. Para ele, colégios e universidades são apenas fábricas de farsantes, cretinos e imbecis (essas são suas três palavras favoritas, repetidas ao longo do relato). Durante dois dias, fica perambulando pelas ruas de Nova York, ensaiando conversas com taxistas e prostitutas, entrando e saindo de bares, tentando convencer garçons a lhe servirem álcool e geralmente se contentando com drinques de Coca-Cola.
Contra a falsidade
As andanças de Holden Caulfield são, ao mesmo tempo, uma busca e uma fuga. O que ele procura em bares fumarentos e ruas vazias é experimentar algum laivo de transcendência - a possibilidade de uma vida verdadeira, sem adornos, sem compromissos, sem convenções. Mas tudo o que encontra são almas contaminadas - pela tolice, pelo conformismo, pela preguiça, pelo excesso de segurança, pelo materialismo de uma civilização que lhe parece flácida e falsa. E sua fuga tem um vetor duplo: não pode retornar ao colégio que o expulsou e não quer chegar ao elegante apartamento de Manhattan onde o aguarda mais uma inútil lição de moral e bons costumes.
Na feira universal das cretinices e falsidades, Caulfield encontra um único interlocutor verdadeiro: Phoebe, sua irmã caçula, um vestígio de franqueza e espontaneidade. Caulfield planeja escapar de Nova York, isolar-se em alguma região erma do oeste norte-americano, construir uma cabaninha de madeira e fazer-se de surdo-mudo. "Aí eu nunca mais precisaria ter nenhuma conversa imbecil pelo resto da minha vida". Mas acaba deixando de lado o projeto e termina em um parque de diversões, vendo sua irmã rodopiar, risonha e indiferente ao mundo, num carrossel. Nesse momento, Holden Caulfield parece encontrar um pouco daquilo que tanto buscou. "Me senti tão feliz de repente, vendo a Phoebe passar e passar... Puxa, só a gente estando lá para ver".
Grande ermitão
O frustrado projeto de Holden Caulfield foi levado a cabo por seu criador, dois anos após a publicação de O Apanhador no Campo de Centeio. Em 1954, com o dinheiro granjeado pelo romance, Salinger comprou um sítio no alto de uma montanha em New Hampshire, numa cidade com menos de mil habitantes, e passou a evitar furiosamente a imprensa e os fãs. Viveu como eremita durante as cinco décadas seguintes. Publicou seu último conto em 1965; mas continuou escrevendo furiosamente, na sombra e na solidão. Ao morrer de velhice, no mais alegre isolamento, em 2010, deixou um cofre cheio de manuscritos inéditos. Em uma raríssima entrevista, nos anos 80, um jornalista perguntou-lhe por que se dava o trabalho de escrever, se não pretendia publicar coisa alguma. "Eu escrevo porque gosto", respondeu o autor. "Escrevo para mim mesmo, apenas".
Livro
O Apanhador no Campo de Centeio, J.D. Salinger, Editora do Autor
A obra é reconhecida como um clássico que trata da passagem da pela adolescência
Ilustração: Estúdio Área
Celebridade pop
Jerome David Salinger nasceu em Nova York, no seio de uma rica família miscigenada. Sempre quis ser escritor e, apesar da paixão pelos livros, era um péssimo aluno. Estudando pouquíssimo e escrevendo muito numa academia militar, ele completou seus primeiros contos escondido sob os lençóis, à luz de uma lanterna a pilha.
Aos 22 anos, experimentou uma desilusão amorosa literalmente cinematográfica. Apaixonou-se por Olla, filha do dramaturgo Eugene O'Neil. Estava prestes a pedi-la em casamento quando Olla se envolveu com o já famoso - e décadas mais velho - Charles Chaplin. Poucos anos depois, Salinger teve outra experiência definidora, lutando como soldado de infantaria na Segunda Guerra Mundial. Participou da invasão da Normandia no Dia D e foi um dos primeiros combatentes aliados a adentrar um campo de concentração.
De volta aos EUA, o desiludido, traumatizado mas ainda ambicioso Salinger tratou de empinar sua carreira literária. Ganhou certo renome publicando contos na New Yorker e, em 1951, alcançou a almejada fama internacional: O Apanhador no Campo de Centeio, seu primeiro romance, vendeu milhões de cópias em alguns meses e transformou-o numa celebridade quase imediata. Salinger ficou rico, viu sua foto reproduzir-se em jornais e vitrines de livrarias, foi endeusado pelos críticos e acalentado pelas academias. Mas o sabor da fama logo se tornou enjoativo, e Salinger se tornaria cada vez mais parecido com seu principal protagonista.
Pureza impossível
A obra de Salinger relata a busca - às vezes ingênua, às vezes ácida, mas sempre cheia de feroz sinceridade - por uma pureza impossível. Narrado em primeira pessoa, O Apanhador no Campo de Centeio conta cerca de 48 horas na vida de Holden Caulfield, um rapaz de 16 anos vindo de família abastada, que acaba de ser expulso de um colégio interno, após ser reprovado em quase todas as matérias. Para ele, colégios e universidades são apenas fábricas de farsantes, cretinos e imbecis (essas são suas três palavras favoritas, repetidas ao longo do relato). Durante dois dias, fica perambulando pelas ruas de Nova York, ensaiando conversas com taxistas e prostitutas, entrando e saindo de bares, tentando convencer garçons a lhe servirem álcool e geralmente se contentando com drinques de Coca-Cola.
Contra a falsidade
As andanças de Holden Caulfield são, ao mesmo tempo, uma busca e uma fuga. O que ele procura em bares fumarentos e ruas vazias é experimentar algum laivo de transcendência - a possibilidade de uma vida verdadeira, sem adornos, sem compromissos, sem convenções. Mas tudo o que encontra são almas contaminadas - pela tolice, pelo conformismo, pela preguiça, pelo excesso de segurança, pelo materialismo de uma civilização que lhe parece flácida e falsa. E sua fuga tem um vetor duplo: não pode retornar ao colégio que o expulsou e não quer chegar ao elegante apartamento de Manhattan onde o aguarda mais uma inútil lição de moral e bons costumes.
Na feira universal das cretinices e falsidades, Caulfield encontra um único interlocutor verdadeiro: Phoebe, sua irmã caçula, um vestígio de franqueza e espontaneidade. Caulfield planeja escapar de Nova York, isolar-se em alguma região erma do oeste norte-americano, construir uma cabaninha de madeira e fazer-se de surdo-mudo. "Aí eu nunca mais precisaria ter nenhuma conversa imbecil pelo resto da minha vida". Mas acaba deixando de lado o projeto e termina em um parque de diversões, vendo sua irmã rodopiar, risonha e indiferente ao mundo, num carrossel. Nesse momento, Holden Caulfield parece encontrar um pouco daquilo que tanto buscou. "Me senti tão feliz de repente, vendo a Phoebe passar e passar... Puxa, só a gente estando lá para ver".
Grande ermitão
O frustrado projeto de Holden Caulfield foi levado a cabo por seu criador, dois anos após a publicação de O Apanhador no Campo de Centeio. Em 1954, com o dinheiro granjeado pelo romance, Salinger comprou um sítio no alto de uma montanha em New Hampshire, numa cidade com menos de mil habitantes, e passou a evitar furiosamente a imprensa e os fãs. Viveu como eremita durante as cinco décadas seguintes. Publicou seu último conto em 1965; mas continuou escrevendo furiosamente, na sombra e na solidão. Ao morrer de velhice, no mais alegre isolamento, em 2010, deixou um cofre cheio de manuscritos inéditos. Em uma raríssima entrevista, nos anos 80, um jornalista perguntou-lhe por que se dava o trabalho de escrever, se não pretendia publicar coisa alguma. "Eu escrevo porque gosto", respondeu o autor. "Escrevo para mim mesmo, apenas".
Livro
O Apanhador no Campo de Centeio, J.D. Salinger, Editora do Autor
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