terça-feira, 12 de novembro de 2013

Livro de Alice Munro, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura.

As nove histórias reunidas em Ódio, amizade, namoro, amor, casamento, funcionam como retratos. Retratos de um momento da vida das personagens – e esse momento pode ser uma despedida ou um reencontro; retratos de um traço particular dessas pessoas, apreendido no instante exato de uma má escolha ou uma boa intenção; retrato de uma porção da memória que, por vezes, é buscada com um grande esforço e, em outros, se esvai na cabeça fraca da idosa ou nas lembranças levianas da menina que não reteve mais que um sentimento de excitação de todo um verão.
Esses contos, se são sobre o cotidiano, não são nada banais. O primeiro, que dá nome à obra, relata a história de Johanna Parry, uma mulher simples e sem ambição que, por um engano, se coloca diante de um futuro com que nunca sonhou; em Ponte flutuante, Jinny recupera-se de grave enfermidade enquanto se deixa seduzir por um adolescente, em momento de inigualável poesia; Mobília de família resgata, aos olhos de uma escritora, a personalidade de uma tia que foi definitiva na sua infância; no belíssimo Conforto, Nina se despede do marido, na busca da compreensão profunda de seu ato de adeus; o encontro das memórias de duas personagens acerca de um verão, seus dramas posteriores e o fundo em comum que os une é tristemente o cenário de Urtigas; em Coluna e vigas, uma jovem mãe aprende a lidar com expectativas alheias sobre si mesma, e a importância da negociação; O que é lembrado é um comovente e sarcástico exercício de memória.
Já Queenie é a construção do imaginário de uma heroína, ainda que tão cheia de defeitos, no encontro eterno de duas irmãs cúmplices; e, por fim, O urso atravessou a montanha, em que Alice narra com infinita delicadeza a descoberta amorosa na perda da memória, e a ternura incondicional de dois companheiros de vida. (O urso atravessou a montanha foi adaptado para o cinema, no premiado longa-metragem Longe dela, de Sarah Polley.) Verdadeiros clássicos modernos, as histórias de Munro vão além de um universo feminino, como quiseram alguns, e ultrapassam a chamada “arte de eternizar momentos banais”. Ela faz isso com destreza, é certo, mas o que há de mais fundamental em sua escrita é chamar a atenção para que os momentos decisivos ponteiam a vida a cada instante e que cada um deles contem tudo que passou. Por isso a memória tem um papel crucial: porque ela é construtora de individualidades e capaz de gerar transformações.

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