segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ilustrado com caderno de fotos, livro traz à tona episódios de infância, polêmicas, como a prisão em 2003, bastidores do show business e a formação da lendária banda - Editora Globo

Chega ao Brasil a autobiografia de Pete Towshend, guitarrista do The Who
A banda The Who era uma das maiores promessas do rock inglês em 1967, quando Pete Towshend, seu guitarrista e principal compositor, decidiu pinçar uma entre as diversas cartas de fãs que recebia com um propósito insólito: aquela correspondência permaneceria fechada e só seria lida muitos anos depois, no momento em que ele fosse escrever a história de sua vida. A mensagem congelada no tempo, raciocinou Pete, poderia lhe dar uma perspectiva sobre sua carreira ao abrir o envelope no futuro, já na condição de consagrado ícone do rock. A presunção juvenil do roqueiro tornou-se fato 45 anos depois. Um dos destaques de Pete Towshend: a autobiografia é justamente o teor da carta mantida inviolada pelo músico por todo esse tempo, período no qual o The Who se transformou numa lenda do rock — em grande parte devido à prolífica mente criativa de Towshend, o idealizador das ambiciosas óperas-rock Tommy e Quadrophenia.
Filho de músicos e porta-voz da geração nascida no pós-guerra que revolucionou os costumes nos anos 1960, Towshend faz um corajoso mergulho em suas memórias, trazendo à tona episódios de infância que se alternam entre as turnês em que acompanhava o pai clarinetista e as reminiscências borradas de abusos que teria sofrido quando viveu com a avó materna. O trauma decorrente dessa violência é evocado pelo autor inclusive naquele que talvez tenha sido o momento mais atribulado de sua vida: sua prisão em 2003 pela polícia britânica, sob a acusação de ter acessado um site de pornografia infantil na internet. Townshend admite que o fez — não por ser pedófilo, mas como pesquisa sobre abuso infantil, tema para o qual sempre foi sensível, graças à própria história de vida.
O livro recapitula com detalhes toda a gestação de um grupo mítico — dos ensaios iniciais com o amigo de infância e baixista John Entwistle ao primeiro contato com o vocalista Roger Daltrey, dos shows na banda The Detours à admissão do incontrolável Keith Moon como baterista da formação clássica do The Who. Townshend também descreve seu processo criativo e não hesita em dar crédito aos músicos que mais o influenciaram, como os Beatles. O contato com outros artistas é uma constante: pela vida do autor desfilam colegas de trabalho (e nomes capitais da música) como Paul McCartney, George Harrison, Eric Clapton, Mick Jagger, Jimi Hendrix, David Bowie e Elton John, entre muitos outros.
Personagem dos anos loucos regados a sexo, drogas e rock 'n' roll, Towshend conta sobre os bastidores do show business com despudor. Fala das dificuldades de manter um casamento quando se é rockstar, do desejo permanente de abandonar o The Who, das farras durante as turnês, das brigas por causa de dinheiro, do conflito entre arte e negócios, do consumo abusivo de álcool e cocaína, das dolorosas perdas de Moon e Entwistle, do amadurecimento da amizade com Daltrey, do prazer renovado de fazer (muito) barulho sobre o palco.
A obra passa longe da trama clichê de ascensão, queda e redenção de um astro. Autoconsciente e crítico arguto de si mesmo, Townshend consegue refletir sobre sua história e seu trabalho com surpreendente isenção, reconhecendo tropeços e erros e, sem falsa modéstia, identificando a profunda importância de sua obra com o Who no panorama do rock e da cultura popular nas últimas décadas. Nas palavras do próprio Pete, “este livro não é, para mim, uma vaidade, É um rito de passagem essencial. O rock’n’roll é uma carreira difícil, por mais cinicamente ou comicamente que seus detratores tentem retratá-la. Tenho sorte de estar vivo e de ter uma história tão louca para contar, cheia de aventuras e maquinações criativas. Estou feliz que eu seja capaz de escrever eu mesmo o meu livro, na minha própria ‘voz’, que muitos dos leitores conhecerão pela primeira vez”.

[Em Woodstock] “Antes que me desse conta, Roger estava cantando ‘See me, feel me, touch me, heal me’ para hordas de jovens que, de repente, percebiam que Tommy era uma música inconscientemente projetada para esse tipo de festival, para esse momento específico, para eles. A certa altura Keith gritou: ‘Pelo amor de Deus, Pete. Chega!’. Entrei em um solo de guitarra demorado, rico em feedback, quando o céu atrás da encosta começou a empalidecer com os primeiros sinais da alvorada. Entusiasmado porém exausto, bati com a guitarra no chão algumas vezes, atirei-a para a plateia, e o Who voltou para Londres.”

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