quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Editora Europa

Alexandre VI - Bórgia, o Papa Sinistro
Nascido Rodrigo Borja e que mais tarde italianizou seu nome para Bórgia quando foi estudar direito em Bolonha. Nos 11 anos do seu pontificado, o Vaticano foi quartel-general de guerras, palco de envenenamentos, assassinatos, subornos, chantagens, desvios de dinheiro da igreja e nepotismo no mais alto grau. Inclusive, com a participação dele em orgias envolvendo até 50 mulheres.
Volker Reinhardt traz à luz fatos sobre a trajetória do papa considerado como mais polêmico da história.
Alexandre VI - Bórgia, o Papa SinistroDE XÁTIVA A ROMA
(1378 - 1458)
As origens dos Bórgia
Rodrigo de Borja nasceu, provavelmente, no primeiro dia de 1431. Ou, também presumivelmente, um ano depois. Embora sua data de nascimento exata seja cercada de dúvidas, uma coisa é certa: mesmo sendo um amante de festas opulentas e glamourosos bailes noturnos, não celebrava seu aniversário de forma ostensiva. Não era prioridade de um pontifex maximus comemorar a saída do útero materno, e sim o dia de sua nomeação como sucessor de Pedro. A escolha do Espírito Santo, de acordo com a versão oficial, outorgava ao predestinado, de fato, uma segunda existência, uma existência superior. Como símbolo dessa transformação, os papas assumem, até os dias atuais, um novo nome. Assim, Rodrigo de Borja, que havia muito já usava o nome italiano Rodrigo Bórgia, passou a ser Alexandre VI em 11 de agosto de 1492.


Como pontífice, uma de suas maiores preocupações foi prolongar seu pontificado - e, por conseguinte, sua vida. Foi tão longe nessa obsessão que, a partir do ano-novo de 1502, resolveu pagar para garantir que viveria mais. Começou oferecendo 30 ducados a cada um de seus criados, acrescentando cinco ducados ao montante a cada ano. A contrapartida daqueles presenteados de forma tão generosa era garantir que o prêmio chegasse a 100 ducados por cabeça, ou, em última análise, assegurar que Alexandre VI chegasse aos 86 anos de idade. A ideia por trás de tanta generosidade era conseguir algo das pessoas, tornando-as também beneficiárias do seu próprio benefício. Como os empregados conseguiriam prolongar a vida de seu senhor, não foi, no entanto, revelado. Provavelmente, por meio de orações. Pelo menos esse seria o método tradicional. Outros papas esperavam pelas preces de pobres selecionados. Alexandre VI, ao contrário, apostava na consciência saudável sobre o lucro.
Mesmo com tais estimativas e empenho por conseguir uma expectativa de vida barata, Alexandre VI não era, de forma alguma, um caso isolado. Desfrutava a companhia de ilustres predecessores e teólogos. Todos eles tinham denunciado a contradição entre a majestade do papado e a curta duração da maioria dos pontificados como um escândalo que podia levar os cristãos à apostasia. Cuidados com o corpo e a higiene pessoal já faziam parte, desde muito tempo, do estilo de vida dos papas. No caso de Alexandre VI, no entanto, seus contemporâneos acreditavam unanimemente que as precauções com saúde e longevidade deveriam beneficiar principalmente, se não exclusivamente, os Bórgia, ou seja, a expansão e proteção do poder familiar. Isso é o que indica também o momento dos generosos presentes de aniversário: 1503 tinha de ser o ano das decisões. A ordem era não morrer naquele momento.
Alexandre VI estava confiante no fato de que teria tempo de sobra para as suas realizações. A que se devia esse otimismo, vindo de um homem que, segundo os padrões da época, já era considerado um ancião? A confiança era alimentada, sem dúvida, pela tradição da família Bórgia. Desde muitas gerações, essa família estava convencida de que suas modestas condições de vida nada tinham a ver com a sua origem nobre. Isso fez que seus membros partissem do princípio de que um dia iriam ocupar o lugar que mereciam. Ressentimentos e esperanças desse tipo não eram incomuns naquela época. No caso dos Bórgia, somaram-se profecias precisas de que o destino os predestinara às mais elevadas honrarias. Muitas outras famílias que tinham conseguido subir na hierarquia social também lançavam mão de tais previsões. Dessa forma, justificavam seu sucesso como vontade divina. Não é de se estranhar que Alexandre VI acreditasse nas obras da previdência para justificar a história da sua linhagem. Dificilmente outra família da época teria tido uma ascensão tão vertiginosa quanto a sua. O destino, ao que parece, conduziu a família Bórgia da sua antiga pátria à terra prometida - e logo duas vezes, com tio e sobrinho, à Cátedra de Pedro.
O início da história da família é repleto de lendas. Se acreditarmos na mais persistente e importante delas, a família de Borja teria sua origem por volta de 1140, proveniente de um ramo da dinastia de Aragão. As mais recentes pesquisas genealógicas refutaram completamente essa tese, mas Alexandre VI acreditava piamente nas suas raízes reais. Há provas visíveis dessa crença até hoje. No teto em caixotões da Basílica de Santa Maria Maior, encomendado por ele, o touro do brasão da família carrega a coroa dupla dos reis aragoneses. Nessa mesma época, um herdeiro vivo dessa dinastia referiu-se ao papa como um parente querido. Bem se sabe que Alexandre VI estava ciente de que se tratava de uma manobra diplomática. No entanto, profundamente satisfeito, exultou: finalmente, depois de tanto tempo, o desejado reconhecimento!
A história dos Bórgia, tal como pode ser rastreada nos livros da Igreja e nos registros oficiais, foi por muito tempo caracterizada por falta de glamour, mas não se pode afirmar que tenha sido obscura. Ao longo de várias gerações, os descendentes desse clã vastamente ramificado ocuparam posições de liderança na cidade de Xátiva, na planície de Valência. Pelas normas relativamente vagas daquela época, podiam ser classificados como membros da nobreza menor. E as notoriedades locais com vastas propriedades teriam grandes probabilidades de permanecer nessa classificação, se não fosse a escalada do herdeiro de uma linhagem lateral de menor prestígio que viria a beneficiar toda a estirpe: Alonso de Borja, nascido no primeiro dia de 1378, no povoado de Canals, perto de Xátiva, falecido em 6 de agosto de 1458, como papa Calisto III, em Roma. O ano de seu nascimento, como o de seu sobrinho Rodrigo, faz parte da mitologia da família e é bastante simbólico, pois marcou o início do grande cisma do Ocidente: a divisão da Igreja em duas e, a partir de 1409, com três papas e seus respectivos séquitos.
Esse estado irremediável desperta medo pela glória eterna: seria possível ainda chegar ao paraíso? Não foram poucos os teólogos que responderam a essa pergunta com ceticismo e pessimismo. A fragmentação da Igreja, por direito indivisível, arrastou-se ao longo de clivagens políticas e nacionais. Especialmente a contradição entre cardeais franceses e ingleses fez fracassar todas as tentativas de uma reunificação, colocando o papado em risco. Afinal de contas, dado o impasse, vieram à tona velhas teorias, agora renovadas, segundo as quais a autoridade suprema de governar a Igreja era reservada ao concílio, um fórum que concentrava todos os fiéis. Esse conciliarismo, por sua vez, caiu como uma luva nas mãos dos governantes seculares. Diante da discórdia reinante no clero, eles seriam os únicos que, por meio da convocação de um concílio, poderiam ter êxito no processo de reunificação da Igreja. Tendo como pano de fundo esses desdobramentos que fortaleceram os poderes ilimitados dos príncipes sobre suas respectivas igrejas regionais, o senhor de Xátiva vai trilhando seu longo, gradual e, para a época, típico caminho: como advogado, como conselheiro do príncipe e como clérigo.
Depois de estudar Direito em Lérida, Alonso de Borja tomou a decisão, em 1408, de seguir a carreira eclesiástica. Era uma carreira que tradicionalmente oferecia melhores perspectivas de sucesso aos jovens ambiciosos das camadas sociais menos elevadas. Além disso, naqueles tempos conturbados, havia grande procura por especialistas em Direito Eclesiástico. Eles ainda eram os mediadores mais confiáveis nas questões relacionadas ao cisma entre os clérigos e os leigos. E a recompensa era grande: glória ao governante e posições de liderança lucrativas ao conselheiro ou diplomata que desse a sua colaboração.
Em 1411, o clérigo de Xátiva, cuja reputação como advogado não parava de crescer, foi nomeado cônego da Catedral de Lérida. Essa função, que fora ocupada regularmente por outros membros da linhagem principal da família, garantia consideráveis rendimentos e justificava as esperanças por posições mais elevadas. Mas a virada na história de vida de Alonso deve ter ocorrido alguns anos antes. O dominicano Vicente Ferrer (morto em 1419), amplamente conhecido como rígido pregador, anunciou ao jovem clérigo que ele, um dia, ocuparia o trono de Pedro. Tais profecias não faltavam em biografias papais. Fatos concretos são a prova de que aqui não se trata da invenção piedosa de um biógrafo tardio, mas sim de uma autêntica e marcante experiência. Trinta e seis anos após a morte do eloquente frade, Calisto III, de fato eleito papa, não tendo outra coisa mais importante para fazer, incluiu o nome de Ferrer na lista dos candidatos à canonização. Mas também isso não significava muita coisa, afinal o dominicano era considerado havia muito tempo um escolhido do Senhor no que dizia respeito às rígidas reformas da Igreja. Ele era também um conterrâneo do papa, o que geralmente acelerava os processos de canonização. Mas havia um motivo ainda mais pessoal para a rápida canonização. Esse motivo é mencionado na competente biografia de Ferrer, escrita pela pena de um contemporâneo:
Alonso de Borja dizia havia anos a seus seguidores que estava confiante, antes mesmo de ter sido eleito efetivamente papa: ele nutria a esperança de um dia governar pessoalmente a Igreja Romana. Mas depois de terem morrido dois ou três papas e a eleição ter acabado de forma diferente, muitos daqueles que tinham apostado nele agora faziam troça do velho ridículo, cujas previsões não passavam de conversa fiada. Essas mesmas pessoas, contudo, ficaram tremendamente surpresas quando, após a morte do papa Nicolau VI, ele, de fato, ocupou o trono de Pedro, e questionavam-no pelas inspirações que o tinham levado a fazer tão frequentemente previsões desse desfecho, de forma assim tão inabalável. Sua resposta: "Quando eu era ainda adolescente, foi-me anunciado por um homem mundialmente famoso, marcado pela fé, piedade e santidade de vida, Vicente Ferrer, da Ordem dos Pregadores, que eu, um dia, seria o maior de todos os mortais e, depois de sua morte, iria superar todas as pessoas em louvor, honra e adoração. [...]. E como vejo agora que, como um dom de Deus, fui realmente agraciado com o que ele dissera, foi-me ordenado fazer por ele o que ele profetizara ser minha missão, a ser cumprida perante sua pessoa. Portanto, o meu veredicto é que esse grande homem seja santificado por mim o mais rápido possível".
A santidade dos dominicanos revelou-se no cumprimento da profecia. A canonização é também um ato de agradecimento. Dessa maneira, foi estabelecida uma relação de reciprocidade, que conjugava destino e dignidade. Assim, Alonso de Borja torna-se papa a fim de outorgar a Ferrer a sua legítima categoria. Dou para que dês: devoção aos santos e sua duradoura proteção ao pontífice e sua família. A ideia de elegibilidade por dinastias vai tomando forma.
Pouco depois de 1400, essa profecia pareceu, em princípio, ousada. Como deveria ser o caminho de Lérida a Roma? Como patrocinador, o primeiro a agir foi o papa Bento XIII, um dos três papas rivais da época, que colocou o promissor compatriota sob suas asas. O valor de sua proteção, no entanto, foi irrelevante, já que foi deposto sumariamente, com seus concorrentes, pelo Concílio de Constança. O objetivo era eleger, por volta de 1417, na figura de Martinho V, da família Colonna, pertencente à alta aristocracia romana, um novo pontifex maximus que fosse reconhecido por todos. E também Alonso Borja arranjou um novo e influente protetor: Afonso V (1396-1458), rei de Aragão. Afonso V reinava não apenas sobre a metade setentrional da Península Ibérica, mas também sobre as Ilhas Baleares, a Córsega e a Sardenha. Mas o jovem monarca não estava ainda nem um pouco satisfeito com isso. Seus olhos estavam voltados com cobiça para a Itália.
Para seus planos ambiciosos, precisava de advogados competentes como Alonso de Borja. Havia quase quatro décadas, Borja tinha colocado seus notáveis conhecimentos jurídicos inteiramente a serviço do rei. Era uma ferramenta perfeita nas mãos do monarca e chegou a atuar também nas difíceis disputas entre a Coroa de Aragão e o papado. Afonso V não via com bons olhos suspender o apoio a Bento XIII, que ignorou soberanamente a deposição pelo concílio, bem como seu sucessor Clemente VIII, sem obter amplas concessões de Roma. Nas negociações mantidas com os embaixadores enviados por Martinho V, Alonso de Borja, por meio de sua experiência, ganhou o reconhecimento também pelo lado romano.
De qualquer forma, por parte do rei, o reconhecimento era inconteste. No entanto, o amplo apoio que o homem de Xátiva passou a receber, a partir desse momento, não tinha nada de desinteressado. O fato de ter colocado seu vice-chanceler em posições de liderança dentro da Igreja assegurava ao monarca acesso a uma grande parte de seus recursos financeiros. Essa divisão de tarefas deu excelentes resultados ainda durante a administração da diocese de Maiorca por Alonso. E essa disponibilidade de dar ao rei aquilo que ele exigia qualificou-o a posições ainda mais altas. Em 1429, Alonso passou a ser bispo de Valência, ofuscando, dessa maneira, todo o sucesso que fora anteriormente alcançado pelas mais nobres ramificações de sua linhagem. Naturalmente, foi fundamental para isso a recomendação de seu senhor. Apesar dos doze anos de dedicados serviços, a sua nomeação, que fora aprovada por Martinho V, teve seu preço. Favor significa o privilégio de poder comprar, por toda parte, as regras invioláveis da clientela. Alexandre VI, posteriormente, dominará essa arte com maestria absoluta. Seu tio, no entanto, teve de pagar uma fortuna ao seu rei pelo bispado de Valência.
O fato de Martinho V ter dado sua aprovação reflete uma mudança na política da Igreja. Do ponto de vista do rei, o antipapa, que se encontrava entrincheirado na península rochosa Peníscola, tinha cumprido a sua missão. E quando Alonso de Borja comunicou-lhe a suspensão do apoio da casa real, Clemente VIII agiu da forma mais razoável possível: desistiu. Anos mais tarde, tornou-se lenda que a arte de persuasão do enviado teria contribuído para que o teimoso antipapa tomasse essa decisão. Fora de questão, no entanto, é o fato de que Alonso, como portador de uma mensagem sem margem a negociações, contribuiu, com a sua competência jurídica, para que esse ato transcorresse de forma rápida e indolor. E isso também agradou a Roma.

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