Os 300 de Esparta: uma aula de história
Descubra os encantos dos 300 de Esparta, de Frank Miller, e saiba mais sobre a realidade histórica da batalha das Termópilas.
As cenas de combate presentes são um capítulo à parte. Miller abusa de cortes, texturas e silhuetas. O seu trabalho sempre foi muito elogiado quanto ao design arrojado de suas páginas e a força de sua composição. Mas é o conjunto da página que apraz aos olhos, e não somente o desenho em si. É um misto de elegância e audácia da distribuição dos quadros e seqüências.
Em 300, a maturidade de Miller está evidente. Da sua escolha de fazer da página dupla a sua prancha de desenho, transformando a leitura tradicionalmente vertical em amplas horizontais, ao uso criterioso das silhuetas chapadas em meio ao colorido maravilhoso de sua esposa, Lynn Varley.
Lynn, que o acompanha como colorista desde os idos de Ronin, pinta de maneira tão dramática quanto as cenas executadas por seu marido. É um colírio ver suas pinceladas depois de anos seguidos de coloridos pasteurizados por computador.
Mas o mérito da obra não está apenas na arte. A adaptação do texto, que seria insípido para a grande maioria dos leitores, é agradável, tem ritmo, com personagens sólidos e bem construídos. Vale até dizer, que o valor maior está no fato de que Miller instila em seus leitores a curiosidade de conhecer melhor este momento histórico, de buscar nas enciclopédias a verdade histórica dos 300 de Esparta.
Tudo teve inicio com Dario I, soberano do império persa e um grande conquistador. Ele foi o responsável pela primeira tentativa de domínio da Grécia, devido a uma disputa pela hegemonia comercial no Mediterrâneo. No entanto, foi derrotado na chamada Batalha de Maratona, por uma tropa de soldados de Atenas. Dario e os seus retornaram, humilhados.
Anos depois, antes de falecer, Dario determinou que o herdeiro de seu trono e novo soberano seria seu filho caçula, Khchayarcha, conhecido pelos gregos como Xerxes. Ele assumiu sua herança com convicção, determinado primeiro a resolver graves problemas, como uma grande revolta egípcia. Em dois anos, terminou essa tarefa. Depois, com manifestações semelhantes ocorrendo na Babilônia, determinou uma intervenção e arrasa a cidade.
Com tudo isto resolvido, finalmente dedicou-se ao seu mais audacioso plano: conquistar a Grécia. Xerxes tinha como estratégia atacar a Grécia Central com seus homens, enquanto, por uma rota traçada, uma gigantesca nau, com mais de 200 navios, abasteceria e daria apoio as suas forças em terra firme.
Vale citar que Miller utiliza o texto de Heródoto em vários diálogos que acontecem durante a história, como quando a esposa de Leônidas pede que o marido volte "com o escudo, ou sob o escudo". Ou seja, volte vitorioso, ou morto. Outro momento, no diálogo entre Leônidas e Xerxes, quando o espartano afirma: "Você tem muitos homens, mas poucos soldados".
Quando entravam em marcha, nada parecia poder detê-los. Em todo o caminho, as cidades curvavam-se ante a supremacia do rei persa. Trácia, Macedônia, Tessália, todas se submeteram a Xerxes. Até o exato momento em que a comitiva alcançou o desfiladeiro das Termópilas, onde uma inesperada e desagradável surpresa os aguardava.
Antes de continuar a narrativa, vamos nos ater um pouco aos espartanos, para tentar entender as motivações de suas atitudes.
Os espartanos lutaram durante muitos séculos para dominar a área do Peloponeso oriental. Quando conseguiram estabelecer-se e dominar por completo a região da Lacônia, tinham o militarismo enraizado em seus costumes e hábitos. Depois, através de campanhas militares, conquistaram a Argólida e a Messéia, tendo, então, sob seus braços quase todo o Peloponeso.
A organização política deste povo funcionava da seguinte maneira:
A população era dividida em três classes:
Os esparciatas, que eram a camada dominante, e não excediam um vigésimo da população global. Somente estes tinham privilégios políticos;
Os periecos, indivíduos que fizeram parte de povos que foram aliados dos espartanos ou que se juntaram a eles por vontade própria. Tinham permissão de exercer o comércio e a manufatura;
Os ilotas, que eram os servos e escravos, provenientes dos povos dominados à força.
Para manter a supremacia da camada dominante sobre as outras, que eram muito maiores em termos numéricos, era fundamental o bom funcionamento do sistema militar espartano. Para tanto, todos tinham que fazer sua parte, em prol do coletivo.
Logo que nasciam, as crianças já ficavam sob jugo do estado. Se tivessem qualquer tipo de doença ou deformidade, eram sumariamente assassinadas. Os saudáveis aprendiam a servir e a abdicar do individuo, em função do bem comum. Sofriam, eram castigados, passavam por diversas mazelas para fortalecerem seus corpos e espíritos, para aprender a serem determinados. Cada espartano devia ser um soldado perfeito, e sua maior glória era morrer em batalha. Voltar derrotado, jamais.
A partir daí, podemos voltar nossa atenção para o encontro de Xerxes com os espartanos, e o motivo destes estarem nas Termópilas.
A Grécia, tendo tomado conhecimento do exército inimigo, realizou uma reunião na cidade de Corinto, com representantes de todas regiões. Algumas cidades estavam pré-dispostas a se renderem, outras ficaram na neutralidade. Atenas, Egina, Eubéia e Esparta decidiram formar uma frente de resistência.
A estratégia escolhida foi cobrir a Grécia Central. Para isso, uma única chance: preparar uma linha de resistência nas Termópilas. O estreito desfiladeiro, localizado entre uma montanha e o mar, era um ponto estratégico. Marcharam em direção a eles os espartanos, junto com alguns aliados. Ao mesmo tempo, uma esquadra grega, formada principalmente por atenienses, tinha a missão de apoiar as operações terrestres.
Quando Xerxes tomou conhecimento de um exército preparado para bloquear sua passagem, enviou batedores para tomar melhor conhecimento da situação. Ao descobrir o número de soldados do inimigo, não levou a sério a iniciativa e acreditou tratar-se apenas de "jogo de cena".
Não tinha idéia do quão estava enganado. Ele acampou com seu séqüito por cerca de quatro dias, provavelmente porque parte de sua esquadra marítima havia sido destruída por uma violenta tempestade. Outra possibilidade seria exatamente a de não acreditar na real intenção dos espartanos de guerrearem.
No quinto dia, Xerxes ordenou o ataque. Começaram aí as surpresas: seus homens foram sucessivamente repelidos pelos bravos inimigos. Durante dois dias seguidos, divisão de tempo que podemos acompanhar nos quadrinhos, várias tentativas inúteis de subjugar os espartanos foram feitas, sem êxito. Nem mesmo os Imortais, a tropa de elite de Xerxes, obtiveram sucesso.
Ao mesmo tempo, ocorreu um confronto no mar, entre as naus gregas e persas, já enfraquecidas devido a uma forte tempestade. A batalha não teve vencedor, mas ficou clara a superioridade dos gregos nas águas.
Continuando... Durante a noite, as posições foram ocupadas. Quando ficaram sabendo do ocorrido, os aliados dos espartanos decidiram partir. Mas estes, não. Fugir era intolerável, render-se, inadmissível. Antes morrer na glória da batalha, do que ser considerado covarde e desertor. Chegou, então, o terceiro dia.
Sobre os oráculos de Delfos, existem duas versões: numa, Xerxes teve o apoio destes, que publicaram uma série de oráculos derrotistas e, por isso, quando invadiu a Grécia Central, ele poupou Delfos. A outra conta sobre um oráculo ter afirmado que a causa de Xerxes estaria perdida, caso este tocasse em Delfos, e isto fez com que deixasse o local intacto.
Após abrir passagem pelas Termópilas, Xerxes permaneceu com seu intento. Com o caminho livre, invadiu a Grécia Central. Destruiu cidades rebeldes, poupou outras que o acolheram e, finalmente, invadiu Atenas. A maioria dos cidadãos havia fugido devido à decisão do governo de evacuar a cidade. Os poucos moradores que ficaram foram assassinados; e casas e templos foram pilhados.
Xerxes assistiu a tudo, e tinha certeza que havia perdido uma batalha importante. Sem ter como abastecer seu exército, ordenou uma retirada. Contudo, não desistiu de seu intento. Deixou na Grécia uma armada com vários milhares de homens.
Essa armada, sob comando de Mardônio, voltou a invadir Atenas. Estes, cansados da guerra, ameaçaram uma aliança com os persas, caso Esparta não colaborasse para uma batalha decisiva. Os espartanos, então, enviaram seu exército, sob o comando de Pausânias, e novos confrontos aconteceram.
Como esta obra é uma adaptação, Miller tomou certas liberdades que poderiam soar como inverdades. Caso um historiador decida por fazer uma análise mais arguta, poderá encontrar fatos um pouco distorcidos, talvez as vestimentas de alguns personagens não sejam exatamente aquelas. Quem sabe reclame de Miller ter "simplificado" um acontecimento histórico a uma batalha entre o que o autor considera sendo o "bem" (os espartanos) contra o "mal" (os persas). Mas, como não somos historiadores, ficamos com a única certeza de termos em mãos uma grande HQ.
Os 300 de Esparta foi lançado no Brasil pela Editora Abril, em cinco números, em 1999. Nos Estados Unidos, a Dark Horse, que publicou a mini-série original (com o título de 300), brindou posteriormente seus leitores com uma belíssima encadernação, em capa dura e formato grande.
A obra merece, pois é um presente para quem aprecia uma boa aula de história. E, neste caso, de uma maneira muita mais divertida, através de um meio único e arrebatador que são os quadrinhos! Escrito Por Sérgio Codespoti e Marcelo Naranjo
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