quarta-feira, 6 de maio de 2015


 Eu sou um contador de estórias. Neste livro estão estórias da minha infância, nas Minas Gerais. Muitas delas eu não vivi. Eu as ouvi, contadas por outros. E pelo ouvido tornaram-se minhas. Por que haveria alguém de se interessar pelas estórias de um velho? Porque todos fomos crianças. Todos andamos pelos mesmos lugares. Para Bernardo Soares, arte é comunicar aos outros nossa identidade íntima. As almas são iguais. É o que torna possível a comunicação. Alguém disse que a palavra “queijo” só tem sentido para alguém que já comeu queijo. Não é possível comunicar o gosto e o cheiro do queijo a quem nunca comeu um. A literatura é possível porque todos já comemos queijo. Todas as nossas infâncias são variações sobre os mesmos temas. As memórias de um outro fazem ressoar, naquele que as lê, o seu próprio passado adormecido. Assim, não se trata de um encontro com as memórias de um outro, diferentes das minhas. Trata-se de um reencontro com o meu próprio passado. Se isso não acontecesse, o texto escrito seria um texto morto. Murilo Mendes nos lembra que todos os textos são feitos com pedaços do escritor. Acho que isso é verdadeiro no caso dessas minhas memórias. Posso então dizer que são o meu sangue, o meu corpo. Peço, portanto, aos meus leitores, que me leiam antropofagicamente... É a antropofagia que nos torna iguais. Antropofagia é eucaristia...

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