quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

No inverno russo de 1878, uma aristocrata jovem e tímida chamada Vera Zasulich atirou no prefeito de São Petersburgo, Fedor Trepov.
 
 O atentado, verdadeira arma política na Rússia pré-revolução, foi
motivado por vingança contra o tratamento brutal que o prefeito dispensara a um preso político. Na história agora esquecida da terrorista mais célebre da Rússia, Ana Siljak conta a vida extraordinária de Vera – de criança privilegiada da nobreza à conspiradora revolucionária, de assassina a mártir, a ídolo socialista e a santa – ao mesmo tempo em que evoca vividamente o drama de um dos julgamentos que mais chamaram a atenção do mundo e da Rússia onde as celebridades políticas dominavam a cena.



 
"Atos criminosos pretendidos ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral, num grupo de pessoas ou em indivíduos para fins políticos.” Eis a definição oficial de terrorismo sancionada pela Organização das Nações Unidas, revista pela última vez em 2006 como parte da Estratégia Antiterrorista Global da ONU. Ainda que o termo se origine das ações dos jacobinos durante a Revolução Francesa – o chamado “Terror” –, foi na Rússia tzarista que, pela primeira vez, ativistas políticos se autodenominaram terroristas, significando que estavam dispostos a ferir ou mesmo matar pessoas específicas contando com a repercussão pública que o crime traria. Nos turbulentos anos que precederam a Revolução de 1917, uma colorida galeria de personagens cometeu vários atos violentos em nome de diversas crenças radicais.


E entre esses estava Vera Zasulich (1849–1919) – provável candidata ao posto de primeira terrorista mulher da história.
Em janeiro de 1878, Vera misturou-se à fila de cidadãos que tinham assuntos a tratar com o prefeito de São Petersburgo, o general Fedor Trepov. Esperou que o militar lhe virasse as costas, sacou um revólver (um British Bull Dog) e disparou. “Apertou o gatilho duas vezes e depois deixou a arma cair no chão. Uma pausa silenciosa envolveu a sala enquanto todos ficavam imóveis por alguns segundos. E então, à medida em que o prefeito gritava e começava a cair, a sala passou a girar com uma atividade febril. (...) Um dos guardas do prefeito lançou-se enfurecido sobre Vera e a jogou no chão com um tremendo soco no rosto.”
É assim que Ana Siljak descreve o atentado cometido por Vera no livro O anjo da vingança (Record), alentado estudo sobre a vida e obra de Vera Zasulich, escritora, teórica marxista de primeira hora, uma das líderes do movimento menchevique (opositores dos bolcheviques de Lenin) – e heroína para diversas correntes revolucionárias que fervilhavam na Rússia do fim do século XIX.
Então com 29 anos, já respeitada no círculo de seguidores de Mikhail Bakunin (um dos pais do anarquismo), Vera tentou matar Trepov em um ato de vingança contra os maus tratos impostos ao preso político Alexei Bogolyubov. Siljak, especialista em história russa, desencavou a hoje pouco lembrada saga de Vera, contextualizando-a numa narrativa minuciosa – um painel histórico que explica as paixões revolucionárias que desembocaram primeiro na revolta de 1905, e depois no levante socialista de outubro de 1917. A narrativa é caudalosa, repleta de nomes célebres e outros obscuros, não dessemelhante à massa de personagens elencadas em romances de Dostoiévski – que, aliás, fez a cobertura jornalística do julgamento de Vera.
LEITORA DO NOVO TESTAMENTO Vera Ivanova Zasulich nascera numa família de nobres empobrecidos que não podiam sustenta-la. Por isso, fora enviada à casa dos Mikhulich, parentes em melhor situação financeira. Inteligente, leitora voraz, Vera percebia com muita clareza seu lugar subalterno dentro do lar adotivo, e ao mesmo tempo nutria um destrutivo ódio pela arcaica ordem social tzarista – sob a qual os aristocratas tinham direito de manter milhares de servos sob seu poder, cujo trabalho sustentava a riqueza dos nobres. A consciência social da jovem Vera fora despertada inicialmente não por leituras revolucionárias, mas sim pelo Novo Testamento. Além das noções de fraternidade e igualdade, Jesus também inspiraria em Vera uma obsessão pelo martírio, o qual ela espera atingir ao ser presa pelo atentado contra Trepov.
O contexto literário e político da época é descrito com detalhes. Obras como Pais e filhos, de Turguêniev, O que fazer?, de Nikolai Tchernichevski, e O catecismo do revolucionário, de Sergei Nechaev, inflamaram a imaginação da juventude que sonhava com um “apocalipse” que destruiria toda a estrutura da sociedade russa da época.
Enquanto estudava e escrevia, Vera afinal resolvera passar da teoria à prática. Não conseguiu matar Trepov e, à espera do julgamento, foi enviada ao Castelo Lituano, prisão das mais insalubres e sinistras de São Petersburgo. “Agora o movimento revolucionário estava numa nova fase”, escreve Ana Siljak. “A guinada para o terrorismo começara.”

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