Reconstruindo Salinger
Nos 57 anos em que viveu num chalé em uma cidade de 1.800 habitantes no norte dos EUA, J.D. Salinger (1919-2010) conseguiu feitos dignos de um candidato a ermitão-mor da literatura contemporânea.
O autor de "O Apanhador no Campo de Centeio" (1951) barrou na Justiça a primeira biografia a seu respeito, impediu a divulgação de cartas enviadas a amigos, bloqueou edições piratas de sua obra. Bastaram três anos de sua morte para que aparecessem duas biografias, um filme, três exposições de cartas e três contos que ele não queria ver publicados tão cedo.
Se em vida Salinger enfrentou baques na luta contra o uso de sua imagem (inclusive pelas memórias da filha e de uma ex-namorada), um forte revés póstumo veio com a biografia "Salinger", de David Shields e Shane Salerno, que sai agora pela Intrínseca.
Lançado em setembro nos EUA, junto com documentário homônimo dirigido por Salerno (no Brasil, estreia em fevereiro), o livro foi atacado por boa parte da crítica pela devassa na vida do autor. É um prato cheio para quem esperava notícias sobre os anos em que ele se isolou.
Entre relevâncias e irrelevâncias da pesquisa de nove anos de Salerno (roteirista de "Armageddon"), estão dezenas de fotos e cartas inéditas.
Há detalhes sobre a primeira união do autor, em 1945, com a alemã Sylvia --que Salinger, após traumas na Segunda Guerra, apresentou à família como francesa. A biografia levanta a suspeita de que a relação tenha acabado quando ele descobriu que ela era informante da Gestapo.
Na área de irrelevâncias, há a informação de que o escritor tinha um testículo só. Para Salerno, isso explicaria tanto a atração de Salinger por garotas inexperientes quanto sua rejeição à mídia.
Outra informação inédita é a descrição de cinco obras que, em tese, Salinger queria ver publicadas entre cinco e dez anos após sua morte --ou seja, a partir do ano que vem.
Entre elas, uma história de amor na guerra, inspirada em Sylvia, e um manual da filosofia indiana vedanta, à qual o ficcionista se dedicava com afinco. Os três contos que caíram na rede em novembro não integravam esse pacote.
Para Salerno, se a guerra criou o escritor Salinger, a religião o matou. "No início, a vedanta foi boa para sua obra, como se vê em Franny & Zooey' [1961], mas sobrepujou seu talento. O último conto que publicou, Hapworth 16, 1924' [1965], é intransponível", diz o biógrafo à Folha.
Mas a doutrina que ajudou Salinger a rejeitar a superexposição acabou por alimentá-la após sua morte.
Uma das três exposições de cartas feitas desde 2010 pela Morgan Library, em Nova York, trazia missivas dele ao líder Swami Nikhilananda, doadas pelo centro que o escritor frequentava. "A correspondência mostra a evolução de Salinger e sua rígida rotina de escrita", diz o curador da Morgan, Declan Kiely.
É curioso que continue fora de circulação a biografia feita por Ian Hamilton nos anos 1980 e que Salinger conseguiu barrar por deter os direitos de trechos de correspondência ali reunidos.
Meses atrás, um original dessa biografia foi arrematado na casa de leilões Swann por US$ 3.200 --menos que o valor mínimo esperado, US$ 4.000. Talvez porque já se saiba o bastante sobre Salinger.
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Salinger é uma das figuras mais intrigantes da história recente da literatura mundial. Autor do cultuado romance O apanhador no campo de centeio, ele é reverenciado por milhões de pessoas e influenciou incontáveis escritores e cineastas. No entanto, sua fama como artista é comparável ao mistério que cerca sua vida particular, mantida longe dos olhos do público durante quase cinco décadas, desde o lançamento de seu último conto, em 1965.
Ao longo de nove anos, Shane Salerno e David Shields entrevistaram mais de 200 pessoas ligadas a Salinger e reuniram relatos reveladores sobre as diversas facetas do notório recluso: o trauma da guerra, o interesse por mulheres recém-saídas da puberdade, a aproximação com a filosofia oriental e o zen-budismo, a conturbada relação familiar. Com vasto material inédito, como fotos, cartas, trechos de contos e conversas entre J.D. Salinger e os poucos que conseguiram extrair algumas palavras dele, Salinger é mais que uma biografia: é um retrato vívido de um dos maiores escritores do século XX.
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Se em vida Salinger enfrentou baques na luta contra o uso de sua imagem (inclusive pelas memórias da filha e de uma ex-namorada), um forte revés póstumo veio com a biografia "Salinger", de David Shields e Shane Salerno, que sai agora pela Intrínseca.
Lançado em setembro nos EUA, junto com documentário homônimo dirigido por Salerno (no Brasil, estreia em fevereiro), o livro foi atacado por boa parte da crítica pela devassa na vida do autor. É um prato cheio para quem esperava notícias sobre os anos em que ele se isolou.
Entre relevâncias e irrelevâncias da pesquisa de nove anos de Salerno (roteirista de "Armageddon"), estão dezenas de fotos e cartas inéditas.
Há detalhes sobre a primeira união do autor, em 1945, com a alemã Sylvia --que Salinger, após traumas na Segunda Guerra, apresentou à família como francesa. A biografia levanta a suspeita de que a relação tenha acabado quando ele descobriu que ela era informante da Gestapo.
Na área de irrelevâncias, há a informação de que o escritor tinha um testículo só. Para Salerno, isso explicaria tanto a atração de Salinger por garotas inexperientes quanto sua rejeição à mídia.
Outra informação inédita é a descrição de cinco obras que, em tese, Salinger queria ver publicadas entre cinco e dez anos após sua morte --ou seja, a partir do ano que vem.
Entre elas, uma história de amor na guerra, inspirada em Sylvia, e um manual da filosofia indiana vedanta, à qual o ficcionista se dedicava com afinco. Os três contos que caíram na rede em novembro não integravam esse pacote.
Para Salerno, se a guerra criou o escritor Salinger, a religião o matou. "No início, a vedanta foi boa para sua obra, como se vê em Franny & Zooey' [1961], mas sobrepujou seu talento. O último conto que publicou, Hapworth 16, 1924' [1965], é intransponível", diz o biógrafo à Folha.
Mas a doutrina que ajudou Salinger a rejeitar a superexposição acabou por alimentá-la após sua morte.
Uma das três exposições de cartas feitas desde 2010 pela Morgan Library, em Nova York, trazia missivas dele ao líder Swami Nikhilananda, doadas pelo centro que o escritor frequentava. "A correspondência mostra a evolução de Salinger e sua rígida rotina de escrita", diz o curador da Morgan, Declan Kiely.
É curioso que continue fora de circulação a biografia feita por Ian Hamilton nos anos 1980 e que Salinger conseguiu barrar por deter os direitos de trechos de correspondência ali reunidos.
Meses atrás, um original dessa biografia foi arrematado na casa de leilões Swann por US$ 3.200 --menos que o valor mínimo esperado, US$ 4.000. Talvez porque já se saiba o bastante sobre Salinger.
Salinger é uma das figuras mais intrigantes da história recente da literatura mundial. Autor do cultuado romance O apanhador no campo de centeio, ele é reverenciado por milhões de pessoas e influenciou incontáveis escritores e cineastas. No entanto, sua fama como artista é comparável ao mistério que cerca sua vida particular, mantida longe dos olhos do público durante quase cinco décadas, desde o lançamento de seu último conto, em 1965.
Ao longo de nove anos, Shane Salerno e David Shields entrevistaram mais de 200 pessoas ligadas a Salinger e reuniram relatos reveladores sobre as diversas facetas do notório recluso: o trauma da guerra, o interesse por mulheres recém-saídas da puberdade, a aproximação com a filosofia oriental e o zen-budismo, a conturbada relação familiar. Com vasto material inédito, como fotos, cartas, trechos de contos e conversas entre J.D. Salinger e os poucos que conseguiram extrair algumas palavras dele, Salinger é mais que uma biografia: é um retrato vívido de um dos maiores escritores do século XX.
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