terça-feira, 9 de julho de 2013

No livro “Jogo de Poder” a autora faz um retrato cru e realista da administração Bush e revela o grau de distorção, por parte da Casa Branca, das informações coletadas e analisadas pela CIA

Ao contar a história da agente da CIA Valerie Plame, cuja identidade foi revelada à imprensa,Jogo de Poder explora os campos e corredores preferidos dos políticos: O da mentiraJogo de Poder Modo a justificar o início da Guerra do Iraque no dia 20 de março de 2003. Valerie Plame era então uma agente desta unidade de inteligência, tinha profunda fé em seu trabalho e alimentava uma lealdade inquestionável ao seu país.
Valerie é filha de um ex-oficial da Força Aérea e seu irmão serviu os Estados Unidos na Guerra do Vietnã, na qual foi quase morto e chegou a perder o braço direito, posteriormente restaurado após inúmeras cirurgias. Na época a família refletiu profundamente sobre a legimitidade deste confronto bélico, o qual se desenrolava sem a autorização oficial do governo norte-americano.
A protagonista e narradora desta obra autobiográfica provém de uma linhagem familiar tradicionalmente ligada ao serviço público, e após se graduar na Universidade Estadual da Pensilvânia, ela consegue ingressar nas fileiras da CIA, em uma época na qual seus dirigentes procuravam democratizar o acesso a esta comunidade, à procura não de membros da elite dos Estados Unidos, mas sim de jovens brilhantes que fossem selecionados por seu próprio mérito.

Era a década de 80 e o país estava sob a liderança do Presidente Ronald Reagan, enquanto a CIA era dirigida pelo polêmico William Casey, anticomunista radical em plena Guerra Fria. Apesar de sua ideologia questionável, até hoje muitos o veem como o melhor gestor da comunidade de inteligência.    
Valerie era conhecida entre os colegas como Val P. e antes de se tornar uma das melhores agentes da instituição ela passou por um rígido treinamento, primeiro na esfera teórica, depois na prática, que na época transcorria em uma localidade rural denominada Fazenda. Sua primeira missão na DO, Divisão de Operações, para a qual raras mulheres eram destinadas, se deu em Atenas, em um período conturbado e marcado por ataques do grupo terrorista N17 ou 17 de Novembro.
Após concluir seu trabalho na Grécia ela é chamada de volta pela CIA e estabelecida em sua sede na capital, Washington. É então que Valerie decide se tornar uma NOC, ou seja, uma agente secreta sem imunidade diplomática. Esta modalidade de espionagem exige um desligamento total das funções estatais, uma formação no campo político e a cuidadosa criação de uma fachada empresarial – no caso de Valerie, uma consultoria na área energética.
Depois de passar por todas estas etapas, que inclui dois mestrados, um na Faculdade de Economia e Ciência Política de Londres e outro no Colégio da Europa, em Bruges, na Bélgica, Valerie inicia sua nova carreira de espiã neste país, até ser repentinamente levada de volta para os Estados Unidos em 1997. É quando ela conhece seu futuro marido, o embaixador Joe Wilson.
Joe é especialista em países africanos e do Oriente Médio, por seu trabalho exaustivo nestas regiões, principalmente no Gabão e no Iraque. Após o casamento ele se muda para Washington e passa a atuar como consultor do Presidente Clinton em assuntos africanos no Conselho de Segurança Nacional.

Na primeira gestão de Bush o trabalho de Valerie concentra-se contraproliferação de armas de destruição em massa, pois neste período ela integra ainda como agente secreta a CPD, divisão responsável pela investigação dos países considerados fora da lei, os quais se esforçam para deter a tecnologia e o material necessários para a produção de armas nucleares, biológicas e químicas.
Neste contexto surge um misterioso relatório do serviço de inteligência militar italiano afirmando que o governo iraquiano havia adquirido cinco toneladas de óxido de urânio de um pequeno país africano, o Níger. Apesar das desconfianças da CIA com relação a sua veracidade, ele atrai a atenção do gabinete do vice-presidente, pois Bush anseia por uma evidência que justifique a invasão do Iraque.
Joe, por sua proximidade com a minúscula nação africana e por já ter contribuído em 1999 com a CIA, passando justamente por esta região para uma investigação semelhante, aceitou fazer novas pesquisas neste país em 2002. Seus relatórios, porém, deixaram claro que não havia nenhum indício de compra de urânio por parte de Sadam no Níger.
Na mesma ocasião, conforme se intensificam os esforços de guerra, Valerie percebe a gradual politização do serviço de inteligência, o qual passa a ser pressionado pela Casa Branca para oferecer informações, mesmo distorcidas, que lhe permitam finalmente dar início a um confronto bélico.
É neste contexto que o Presidente inclui em seu discurso sobre o Estado da União, no dia 28 de janeiro de 2003, as dezesseis palavras que justificarão, diante do povo norte-americano, a entrada dos EUA no Iraque. Contrariando as investigações de Joe Wilson, Bush afirma que o Iraque comprou urânio do Níger, o que convence a todos da existência real de armas de destruição em massa neste país, as quais, aliás, nunca foram encontradas.
Quando Joe decide contar a verdade em um artigo publicado em veículo de grande circulação, a Casa Branca passa a desacreditá-lo diante da mídia e da população, revelando a identidade de Valerie Plame, o que até então era considerado um crime, para alegar que ele teria ido à África apenas porque sua esposa trabalha na CIA; assim, ele conquistou a mordomia de viajar ao Níger com tudo pago. Uma ironia – afinal, quem escolheria justamente esta região da África para fazer turismo?
Valerie narra com paixão e convicção o calvário pelo qual ela e sua família passam a partir deste momento. Sua revolta, a decepção com o país e a própria comunidade à qual serviu por tanto tempo, o medo de uma retaliação contra os familiares, especialmente seus gêmeos, hoje com sete anos, se aliam a sua coragem e determinação, a sua sede de justiça e à crença que ela ainda alimenta em sua terra natal e nas suas instituições.
Seu testemunho indica a clara decadência sofrida pelos Estados Unidos ao longo das duas administrações de Bush, que ecoam ainda hoje no governo do Presidente Barack Obama. Mas nem Valerie nem John perderam a fé no futuro do país, e mais do que nunca eles acreditam no poder das novas gerações para mudar este cenário e recolocar a nação em seus eixos. Este é um dos principais objetivos desta obra.
Apesar de ter sofrido inúmeros cortes por meio da intervenção da CIA, da qual Valerie se desligou em 2006, o livro conserva a compreensão e a coerência narrativa; os poucos lapsos de entendimento são compensados pelo Posfácio, escrito pela jornalista Laura Rozen, que esclarece qualquer dúvida do leitor quanto à sequência dos acontecimentos.
Além disso, alguns documentos importantes estão presentes no Apêndice, para maiores informações do público. Apesar da leitura não ser fácil, pois não se trata de um romance, ainda assim vale a pena, pois nos dá uma visão mais ampla e clara do mundo em que vivemos.
Hoje Valerie e Joe Wilson residem em Novo México, nos Estados Unidos, ao lado dos filhos. A autora ainda move um processo contra os acusados pela violação de sua identidade secreta e outro contra as censuras impostas pela CIA, que vão além das questões de segurança nacional.
O artigo de Joseph caiu como uma bomba para a nação, comprometendo os planos do governo. Para reverter à situação e retaliar o adversário, entregaram identidade de Valerie Plame (vivida por Naomi Watts) ao jornalista Robert Novak (1931-2009), do Chicago Sun Times, que oito dias depois a revelou como espiã da CIA.
O roteiro de Jez (de A Última Legião, 2007) e John-Henry Butterworth, explora de forma minuciosa toda a história de manipulação das informações e da imprensa e da traição sofrida por Valerie Plame e seu marido. Visto como traidora da nação, Valerie passou a sofrer ameaças de morte e o estrago da revelação quase levou ao esfacelamento da família. Jogo de Poder não obtém o impacto provocado por Todos os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, por exemplo, mas tem força suficiente para fazer o público refletir sobre a capacidade de mentir dos políticos.
Fair Game (EUA, 2010), de Doug Liman. Elenco: Naomi Watts, Sean Penn, Sam Sheppard e Bruce McGill. 108 minutos. Paris Filmes.
                        

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