Reconstruindo Salinger
Se em vida Salinger enfrentou baques na luta contra o uso de sua imagem (inclusive pelas memórias da filha e de uma ex-namorada), um forte revés póstumo veio com a biografia "Salinger", de David Shields e Shane Salerno, que sai agora pela Intrínseca.
Lançado em setembro nos EUA, junto com documentário homônimo dirigido por Salerno (no Brasil, estreia em fevereiro), o livro foi atacado por boa parte da crítica pela devassa na vida do autor. É um prato cheio para quem esperava notícias sobre os anos em que ele se isolou.
Entre relevâncias e irrelevâncias da pesquisa de nove anos de Salerno (roteirista de "Armageddon"), estão dezenas de fotos e cartas inéditas.
Há detalhes sobre a primeira união do autor, em 1945, com a alemã Sylvia --que Salinger, após traumas na Segunda Guerra, apresentou à família como francesa. A biografia levanta a suspeita de que a relação tenha acabado quando ele descobriu que ela era informante da Gestapo.
Na área de irrelevâncias, há a informação de que o escritor tinha um testículo só. Para Salerno, isso explicaria tanto a atração de Salinger por garotas inexperientes quanto sua rejeição à mídia.
Outra informação inédita é a descrição de cinco obras que, em tese, Salinger queria ver publicadas entre cinco e dez anos após sua morte --ou seja, a partir do ano que vem.
Entre elas, uma história de amor na guerra, inspirada em Sylvia, e um manual da filosofia indiana vedanta, à qual o ficcionista se dedicava com afinco. Os três contos que caíram na rede em novembro não integravam esse pacote.
Para Salerno, se a guerra criou o escritor Salinger, a religião o matou. "No início, a vedanta foi boa para sua obra, como se vê em Franny & Zooey' [1961], mas sobrepujou seu talento. O último conto que publicou, Hapworth 16, 1924' [1965], é intransponível", diz o biógrafo à Folha.
Mas a doutrina que ajudou Salinger a rejeitar a superexposição acabou por alimentá-la após sua morte.
Uma das três exposições de cartas feitas desde 2010 pela Morgan Library, em Nova York, trazia missivas dele ao líder Swami Nikhilananda, doadas pelo centro que o escritor frequentava. "A correspondência mostra a evolução de Salinger e sua rígida rotina de escrita", diz o curador da Morgan, Declan Kiely.
É curioso que continue fora de circulação a biografia feita por Ian Hamilton nos anos 1980 e que Salinger conseguiu barrar por deter os direitos de trechos de correspondência ali reunidos.
Meses atrás, um original dessa biografia foi arrematado na casa de leilões Swann por US$ 3.200 --menos que o valor mínimo esperado, US$ 4.000. Talvez porque já se saiba o bastante sobre Salinger.
Salinger é uma das figuras mais intrigantes da história recente da literatura mundial. Autor do cultuado romance O apanhador no campo de centeio, ele é reverenciado por milhões de pessoas e influenciou incontáveis escritores e cineastas. No entanto, sua fama como artista é comparável ao mistério que cerca sua vida particular, mantida longe dos olhos do público durante quase cinco décadas, desde o lançamento de seu último conto, em 1965.
Ao longo de nove anos, Shane Salerno e David Shields entrevistaram mais de 200 pessoas ligadas a Salinger e reuniram relatos reveladores sobre as diversas facetas do notório recluso: o trauma da guerra, o interesse por mulheres recém-saídas da puberdade, a aproximação com a filosofia oriental e o zen-budismo, a conturbada relação familiar. Com vasto material inédito, como fotos, cartas, trechos de contos e conversas entre J.D. Salinger e os poucos que conseguiram extrair algumas palavras dele, Salinger é mais que uma biografia: é um retrato vívido de um dos maiores escritores do século XX.
Nos 57 anos em que viveu num chalé em uma cidade de 1.800 habitantes no norte dos EUA, J.D. Salinger (1919-2010) conseguiu feitos dignos de um candidato a ermitão-mor da literatura contemporânea.
O autor de "O Apanhador no Campo de Centeio" (1951) barrou na Justiça a primeira biografia a seu respeito, impediu a divulgação de cartas enviadas a amigos, bloqueou edições piratas de sua obra. Bastaram três anos de sua morte para que aparecessem duas biografias, um filme, três exposições de cartas e três contos que ele não queria ver publicados tão cedo.Se em vida Salinger enfrentou baques na luta contra o uso de sua imagem (inclusive pelas memórias da filha e de uma ex-namorada), um forte revés póstumo veio com a biografia "Salinger", de David Shields e Shane Salerno, que sai agora pela Intrínseca.
Lançado em setembro nos EUA, junto com documentário homônimo dirigido por Salerno (no Brasil, estreia em fevereiro), o livro foi atacado por boa parte da crítica pela devassa na vida do autor. É um prato cheio para quem esperava notícias sobre os anos em que ele se isolou.
Entre relevâncias e irrelevâncias da pesquisa de nove anos de Salerno (roteirista de "Armageddon"), estão dezenas de fotos e cartas inéditas.
Há detalhes sobre a primeira união do autor, em 1945, com a alemã Sylvia --que Salinger, após traumas na Segunda Guerra, apresentou à família como francesa. A biografia levanta a suspeita de que a relação tenha acabado quando ele descobriu que ela era informante da Gestapo.
Na área de irrelevâncias, há a informação de que o escritor tinha um testículo só. Para Salerno, isso explicaria tanto a atração de Salinger por garotas inexperientes quanto sua rejeição à mídia.
Outra informação inédita é a descrição de cinco obras que, em tese, Salinger queria ver publicadas entre cinco e dez anos após sua morte --ou seja, a partir do ano que vem.
Entre elas, uma história de amor na guerra, inspirada em Sylvia, e um manual da filosofia indiana vedanta, à qual o ficcionista se dedicava com afinco. Os três contos que caíram na rede em novembro não integravam esse pacote.
Para Salerno, se a guerra criou o escritor Salinger, a religião o matou. "No início, a vedanta foi boa para sua obra, como se vê em Franny & Zooey' [1961], mas sobrepujou seu talento. O último conto que publicou, Hapworth 16, 1924' [1965], é intransponível", diz o biógrafo à Folha.
Mas a doutrina que ajudou Salinger a rejeitar a superexposição acabou por alimentá-la após sua morte.
Uma das três exposições de cartas feitas desde 2010 pela Morgan Library, em Nova York, trazia missivas dele ao líder Swami Nikhilananda, doadas pelo centro que o escritor frequentava. "A correspondência mostra a evolução de Salinger e sua rígida rotina de escrita", diz o curador da Morgan, Declan Kiely.
É curioso que continue fora de circulação a biografia feita por Ian Hamilton nos anos 1980 e que Salinger conseguiu barrar por deter os direitos de trechos de correspondência ali reunidos.
Meses atrás, um original dessa biografia foi arrematado na casa de leilões Swann por US$ 3.200 --menos que o valor mínimo esperado, US$ 4.000. Talvez porque já se saiba o bastante sobre Salinger.
Salinger é uma das figuras mais intrigantes da história recente da literatura mundial. Autor do cultuado romance O apanhador no campo de centeio, ele é reverenciado por milhões de pessoas e influenciou incontáveis escritores e cineastas. No entanto, sua fama como artista é comparável ao mistério que cerca sua vida particular, mantida longe dos olhos do público durante quase cinco décadas, desde o lançamento de seu último conto, em 1965.
Ao longo de nove anos, Shane Salerno e David Shields entrevistaram mais de 200 pessoas ligadas a Salinger e reuniram relatos reveladores sobre as diversas facetas do notório recluso: o trauma da guerra, o interesse por mulheres recém-saídas da puberdade, a aproximação com a filosofia oriental e o zen-budismo, a conturbada relação familiar. Com vasto material inédito, como fotos, cartas, trechos de contos e conversas entre J.D. Salinger e os poucos que conseguiram extrair algumas palavras dele, Salinger é mais que uma biografia: é um retrato vívido de um dos maiores escritores do século XX.
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