quinta-feira, 11 de julho de 2013

O erotismo segundo Guido Crepax

Valentina encontra Drácula na Trienal de Milão.

Embora os seus últimos trabalhos (as adaptações de “O Médico e o Monstro” de Stevenson, “Drácula” de Bram Stoker, “O Processo” de Kafka e “Frankenstein” de Mary Shelley) confirmem o seu gosto pela literatura fantástica, a verdade é que o nome de Crepax é mais facilmente associado a um erotismo fetichista, bem patente na “História de O”, livro escrito sob o pseudônimo de Pauline Réage, por Dominique Aury, uma tradutora francesa que assim provou ao seu amante (que no prefácio classifica o romance como “a mais ardente carta de amor que algum homem já recebeu”) que também era capaz de escrever romances eróticos.  Publicada pela primeira vez em Portugal em 1976, pelas Edições Sérgio Guimarães, que também publicaram o romance de Réage, a BD de Crepax é uma adaptação muito fiel e conseguida, que mostra bem a técnica narrativa do autor e a forma extremamente dinâmica e inventiva como dividia a página.
A sua reedição em 2005 é importante, porque vem permitir a toda uma nova geração de leitores tomar contacto com o trabalho de um autor com um traço e um universo muito fortes, que estava insuficientemente divulgado no nosso país, onde para além da “História de O” apenas tinham saído alguns episódios de “Valentina” no jornal “Lobo Mau”. Só é pena que a edição da Marginália, uma nova editora, aparentemente nascida das cinzas da extinta Meribérica, tenha um preço tão elevado, que a qualidade da edição não justifica. O que, infelizmente, acabará por impedir alguns potenciais leitores menos abonados de descobrir o traço único de Guido Crepax.  
 Mas, apesar da importância de “Valentina”, a obra de Crepax não se resume a ela, englobando várias outras heroínas, como Anita, Bianca e Belinda, e inúmeras adaptações de obras literárias, onde não faltam os clássicos do erotismo, como “Emanuelle”, “Justine” (do Marquês de Sade),“A Vénus das Peles” (de Sacher-Masoch) e este “História de O”, de Pauline Réage.
Embora a escolha de um romance como “História de O” para ilustrar, pareça natural face ao ambiente “sado-maso” que também está bem presente em “Valentina” e “Anita”, é o próprio Crepax que vem desmentir essa associação, numa entrevista de 199, onde diz: “A “História de O” foi muito importante para mim, pois foi traduzida em muitos países e ajudou a tornar-me conhecido.(…) Mas convém referir que não sou um apaixonado pelo erotismo. À medida que fui desenhando as histórias, ganhei outra paixão pelo tema, que não fazia parte dos meus interesses principais. Sempre me interessei mais pelo fantástico e pelo terror, e os meus gostos literários vão mais nesse sentido.”  
  Apesar da crise que afecta o país e, por arrasto, o mercado da BD, este ano tem ficado marcado pela edição ou reedição de uma série de clássicos da 9ª Arte, que não estavam disponíveis no mercado nacional. Depois do notável “Mort Cinder” de Breccia e Oesterheld e da magnífica reedição do “Príncipe Valente” de Hal Foster, cujo 2º volume acaba de chegar às livrarias, também o italiano Guido Crepax regressa às livrarias nacionais com “História de O”, adaptação à BD do famoso romance de Pauline Reage, dada à estampa pela Marginália Editora.
Nascido em Milão em 1933, cidade onde também morreu em 2003, com 70 anos, Guido Crepax é um dos grandes nomes da BD europeia e, a par com Pratt e Manara, um dos mais prestigiados autores italianos do século XX. Embora se tenha formado em arquitectura, nunca exerceu a profissão, tendo-se dedicado primeiro à ilustração, ilustrando capas de discos de jazz e da revista “Tempo Médico”, cuja capa desenhou entre 1958 e meados da década de 80. Em 1963, Crepax estreia-se na BD, sendo um dos autores que desde a primeira hora participam na revista “Linus”. É precisamente nas páginas do nº 2 dessa mítica revista que aparece pela primeira vez Valentina, a sua personagem mais famosa que, de secundária na série “Neutron”, cedo assume o protagonismo devido a uma das mais sensuais heroínas da BD europeia, cujas aventuras foram transpostas para o cinema e para a televisão, numa série que a SIC passou em, Portugal, em meados da década de 90.
Inspirada na actriz Louise Brooks (que, curiosamente também inspirou o seu compatriota Hugo Pratt para uma das personagens da “Fábula de Veneza”), Valentina vivia aventuras em que o fantástico e o onírico se misturavam com o erotismo e a ficção científica, em histórias onde não faltavam as referências a outras séries e autores de BD.
   

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