quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Após a positiva recepção da trilogia MSP 50, inaugurado em 2012 o selo GRAPHIC MSP onde artistas poderão realizar em trabalhos mais longos o que já haviam apresentado em MSP 50. Já anunciados para este ano estão Astronauta Magnestar por Danilo Beyruth, Chico Bento por Gustavo Duarte, Piteco por Shiko, e a Turma da Mônica - Laços pelos irmãos Vitor e Luciana Cafaggi.



 A trilogia de homenagens aos 50 anos de carreira de Mauricio é um bom lugar pra se (re)começar. Ao 150 artistas diversos terem a oportunidade de tecer variações das Turma da Mônica algo fantástico aconteceu: nós enxergamos mais do que os meros personagens, nos seus traços típicos e enredos tradicionais. Nós vimos o simbólico que circunda a “turminha”.
Tentando ser mais claro: nós vislumbramos de forma mais translúcida aquilo que faz a Turma da Mônica ser tão forte no imaginário brasileiro.
Pois é justamente na modificação do traço, na experimentação do enredo que resta aquilo que ainda torna a Turma da Mônica o que ela é. Percebemos então os rastros, vestígios do que é mais fundamental (que fundamenta) o universo Mauricio de Sousa. Parece-me que esta visão (podemos dizer, essa revelação) ocorre em três diferentes recursos estéticos, que curiosamente todos os artistas da trilogia MSP 50 ora ou outra recorreram.
- O primeiro recurso estético tenta isolar a fórmula na repetição. Cebolinha cria um plano infalível pra roubar o Sansão, dá nós em suas orelhas e consequentemente leva uma tremenda surra da Mônica; ou a turma conspira pra conseguir finalmente dar um banho no Cascão; ou Chico Bento se aventura no desfrute das proibidas goiabas do Nhô Lau. Vemos de novo e de novo esses eventos, mas na mudança de estilo de cada roteirista e desenhista, em outro traço, cor e enquadramentos, as características mais fundamentais se reafirmam por serem as únicas remanescentes na adaptação dos artistas.

     Cebolinha então num traço mais grotesco parece um louco obsessivo pelo Sansão, Cascão numa determinada texturização se torna perturbadoramente sujo, Mônica num desenho realista parece uma super-heroína ao exibir toda sua super-força, Chico Bento no colorido suave do campo se torna essencialmente lúdico ao mostrar um tipo de infância que muitos leitores sequer conheceram.
Algumas estórias vão mais longe e refletem sobre essas fórmulas, se questionam sobre seu funcionamento, como Xaveco entristecido por ser um personagem fraco, Cebolinha e Mônica num talk show discutindo a relação, e um alienígena que em sua busca tenta identificar o humano nos hábitos rotineiros dos personagens de Mauricio de Sousa. Há também a utilização de pessoas banais pra entender nossa identificação pela “turminha”, como na estória de uma mãe que também era baixinha, dentuça e gorducha e encontrou na Mônica sua própria força quando criança.
  O segundo recurso estético tenta identificar vestígios de um gênero, reforçando suas características. O grande destaque é o Astronauta (recordista em aparições) que em suas aventuras espaciais retoma as tradicionais aventuras intergalácticas de heróis como Buck Rogers ou Flash Gordon, assim como a solidão e nostalgia de um Surfista Prateado (que inclusive dá as caras).
Da mesma forma ocorre com muitos outros personagens, geralmente de núcleos secundários: Penadinho se filia ao horror anos 1960 típico da família Addams ou quadrinhos como Cripta; Piteco remete às aventuras dos grandes guerreiros primordiais como Conan; Tina se mostra, seja nos anos 1970 ou 2010, sempre uma revista sobre moda e juventude; Chico Bento e Papa-Capim cumprem o papel pedagógico sobre a reintegração do homem com a natureza, algo típico dos quadrinhos educativos; e o Louco (também recordista de aparições) reincorpora o surrealismo, a metalinguagem de um Gato Félix diante do absurdo típico das histórias em quadrinhos.
- E o terceiro recurso estético tenta explorar o antes e o depois pra entender melhor o presente. São recorrentes então estórias que contam como a turminha se conheceu, como o antagonismo inteligência versus força bruta nasceu entre Cebolinha e Mônica, ou porque a Mônica ganhou o Sansão e tem nele uma arma contra qualquer ameaça física ou psicológica. Isso também se aplica aos coadjuvantes, como a estória que mostra a relação desde a infância de Nhô Lau com suas goiabeiras, como nasceu o amor do Jotalhão por Rita Najura, a recepção do menino Penadinho que tem dificuldades em aceitar a própria morte ou como Pipa ganhou seu apelido e conheceu Zecão. 
Igualmente tem estórias no futuro, como a turma adolescente tentando recuperar o mundo mágico de uma infância perdida, o Cebolinha e Mônica adultos tentando entender ou lidar com o que sentiam (e ainda sentem) um pelo outro (algo bastante recorrente em diferentes estórias), Magali lutando contra a obesidade e a pulsão de comer ou ainda a turma já cinquentenária, investida de uma amizade que procuram jamais deixar morrer.
Destaque também para presentes alternativos, como a estória que Cebolinha finalmente venceu a Mônica, tornou-se o Dono da Rua (Dono da Lua na fala de Cebolinha – algo rico em elucubrações) e no final o Bairro do Limoeiro se tornou um lugar fascistóide e sombrio. Enfim, seja no passado, no futuro ou no presente avesso, o que interessa é o “desvio”, o caminho alternativo que parece visar um estudo de causas e consequências que, em última instância, faz repensar aquilo que a “turminha” se tornou para nós hoje.
Tudo muito sofisticado e ao mesmo tempo tão simples, não? No final das contas, diante desses três recursos estéticos que apontei, me pergunto: haveria maior demonstração de carinho do que potencializar a Turma da Mônica para além de suas restrições (comentadas na primeira parte do texto)? O que o projeto MSP 50 fez foi carinhosamente materializar uma profunda vontade de potência na Turma da Mônica – na fórmula, gênero ou tempo, e sem com isso perder o lúdico que atravessa crianças e adultos. Que práticas como essa seja o começo de uma nova história em quadrinhos 

Nenhum comentário:

Postar um comentário