segunda-feira, 22 de julho de 2013

Nesta segunda parte da grandiosa trilogia biográfica de Getúlio Vargas, Lira Neto reconstitui a trajetória do político gaúcho entre o momento de consolidação do poder após a Revolução de 1930 e o golpe militar que encerrou o Estado Novo em 1945

Era a vez de Getúlio Vargas falar, em resposta ao discurso do presidente do 3 de Outubro.
 Ele devia ter plena consciência de que suas palavras poderiam determinar os rumos do país dali por diante. Seria a oportunidade para expressar uma recusa cabal ao autoritarismo, aos “atos de força” de que se vangloriava Pedro Ernesto, ou de aderir publicamente à tese de que só mesmo uma ditadura conviria ao país naquele momento de crise. 

“Recebo a demonstração de solidariedade que me trazeis, e bem compreendendo seu alcance e significação”, iniciou Getúlio. “Sois a vibrante mocidade civil e militar que não quer ver a revolução se afundar no atoleiro das transigências, dos acordos, das acomodações entre os falsos pregoeiros da democracia.”

Os aplausos dos representantes do Clube 3 de Outubro foram entusiásticos. Ante aquela vigorosa saudação, não poderia haver mais dúvidas de que ali estava o líder que exigiam, “o ditador que salvaria o Brasil”. Getúlio prosseguiu, para arrancar mais palmas e aclamação dos outubristas:



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“Sob a aparência do apelo à Constituinte e defesa duma autonomia que sempre violaram, muitos procuram apenas voltar ao antigo mandonismo e pleiteiam a posse dos cargos para a montagem da máquina eleitoral, veículo indispensável à sua ascensão.”

Pedro Ernesto e seus companheiros exultaram. Estavam ouvindo exatamente o que queriam. Não haviam ido a Petrópolis à toa. Getúlio, tudo indicava, pensava como eles: o sistema eleitoral era uma farsa; a democracia representativa, um estorvo; as manifestações em prol da Constituinte, mera fachada para politiqueiros saudosos. A cada frase de Getúlio Vargas, os outubristas se derramavam em novos e acalorados aplausos. Os vivas, porém, foram mais comedidos quando Getúlio seguiu adiante:

“A volta do país ao regime constitucional virá, terá de vir, está na lógica dos acontecimentos. Essa volta processar-se-á, porém, orientada pelo governo revolucionário, com a colaboração direta do povo e não em obediência à vontade exclusivista dos políticos.”

A ressalva de que o regime constitucional viria, mais cedo ou mais tarde, não agradou a alguns dos presentes. Entretanto, desde que isso fosse encarado como simples possibilidade, uma perspectiva lançada em direção a um futuro hipotético, nada tinham a opor. Os aplausos só se tornaram de fato mais chochos quando, ao final, Getúlio sentenciou:

“O que não posso é concordar com a prática de violências de quaisquer origens, pois a ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos sem com isso diminuir a autoridade do governo e o prestígio da revolução.”

E ainda advertiu:

“O governo somente se integrará num regime novo quando este for reflexo da nação organizada. Não deverá tornar-se, por isso, prisioneiro de qualquer partido, classe ou facção, porque unicamente ao povo brasileiro, juiz definitivo de seus atos, lhe cumpre prestar contas.”

Os outubristas se entreolharam. O que significava aquilo? Eles realmente estavam sendo repreendidos pelo atentado ao Diário Carioca?

De que lado estava, afinal de contas, o sr. Getúlio Vargas?

Logo depois da conquista do poder federal, em outubro de 1930, Getúlio se viu diante do complexo desafio de promover sua ambiciosa agenda de reformas ao mesmo tempo em que precisava neutralizar, como um jogador de xadrez paciente, os movimentos da oposição interna e externa ao regime. Diversas facções políticas insatisfeitas, especialmente os “reacionários” de São Paulo, insistiam em questionar a autoridade do todo-poderoso líder gaúcho. 
Com a Constituinte de 1934 — concessão provisória às aparências democráticas — e a recondução por eleição indireta ao Catete, Getúlio na realidade consolidou sua supremacia pessoal sobre as frágeis instituições políticas do país. O presidente forjava com sua figura roliça e bonachona, sempre de charuto e vestido em ternos de linho de impecável apuro, a imagem impoluta de “pai dos pobres”. À maneira de um monarca absoluto dos novos tempos, era a própria encarnação do Poder, difundida massivamente em palavras e imagens pela publicidade oficial.
Após o breve interlúdio democrático, o golpe do Estado Novo em 1937 reinstituiu a ditadura aberta, inspirada no salazarismo e no fascismo italiano. A guinada autoritária, justificada pela necessidade de esmagar a subversão comunista, teve o respaldo da hierarquia militar e da poderosa Ação Integralista Brasileira, de extrema-direita. O experiente caudilho, no entanto, optou por prescindir da organização de massas que em última análise fragilizaria sua autoridade pessoal, e baniu todas as agremiações políticas, inclusive a aib. A frustrada vingança integralista, com o assalto ao Palácio Guanabara em maio do ano seguinte, deu ensejo a mais repressão política, dirigida pelo sinistro chefe de polícia do Distrito Federal, Filinto Müller.
No plano externo, a eclosão da Segunda Guerra Mundial marcou a reaproximação de Getúlio com as potências aliadas e, internamente, a decadência do regime estadonovista. Mas a contradição de lutar pela democracia na Europa e exercer o poder ditatorial no Brasil acabaria minando a sustentação de Getúlio nos quartéis. Em novembro de 1945, o general Góes Monteiro, seu antigo colaborador, liderou a rebelião militar que encerrou os primeiros quinze anos de Getúlio no Palácio do Catete.

“O que não posso é concordar com a prática de violências de quaisquer origens, pois a ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos sem com isso diminuir a autoridade do governo e o prestígio da revolução.”

E ainda advertiu:

“O governo somente se integrará num regime novo quando este for reflexo da nação organizada. Não deverá tornar-se, por isso, prisioneiro de qualquer partido, classe ou facção, porque unicamente ao povo brasileiro, juiz definitivo de seus atos, lhe cumpre prestar contas.”

Os outubristas se entreolharam. O que significava aquilo? Eles realmente estavam sendo repreendidos pelo atentado ao Diário Carioca?

De que lado estava, afinal de contas, o sr. Getúlio Vargas?

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